Depois de não ter ido lá um dia, acabaram até por ser dois, por vezes acontece, - a vida corre mesmo o risco de ser só aquilo que acontece – voltei lá hoje. Estava menos de meia casa e algo estranho no ar. O prato do dia era Cordon Bleu. Raro, muito raro. Devo ter feito uma cara de admiração que levou uma das empregada a rir-se. L. não havia maneira de aparecer. Pedi cataplana, uma coisa que apenas faziam por encomenda e para doses de duas pessoas, só para testar, para ver se acontecia alguma coisa de diferente do habitual. Apareceu logo o pai de L., o dono do restaurante. Conhece-me, claro, mas sabe há muito que não gosto de conversa sem tema. Sou muito estruturado nas conversas. «Está à espera de alguém?». Não podia dizer ao homem que estava à espera da filha. Ele acha-me um pouco estranho. Até é bom quando nos acham estranhos e distantes, e mesmo arrogantes, assim temos menos coisas para explicar; por isso um «não», com um sorriso generalista foi suficiente. Já tinha dado meia volta mas voltou atrás outra vez e disse-me. «a L. hoje não veio… estava engripada e foi ao médico». O meu cérebro experimentou então a sensação de viver sem sangue durante uns segundos. Devo ter tido a reacção típica dos acamados nos cuidados intensivos e o homem retirou-se, meio atrapalhado. Até à chegada da ‘cataplana para dois’, o meu hemisfério esquerdo concentrava-se na ideia: ‘porque é que ele se sentiu na obrigação de me vir dizer que hoje a L. não vinha’, e o meu hemisfério direito anestesiava-se procurando uma explicação para o fenómeno: ‘no dia em que eu ia testar se ela sentiu a minha falta, ela não aparece’. A cataplana soube-me a cabrito assado, pedi um pudim flan mas, felizmente, esqueci-me de comê-lo. Será que Deus percebe mesmo o que nós sofremos?
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