As anotações de um picheleiro dos afectos

Caderno 1 - Tratado de educação sentimental para homens bons

1º capitulo - Primeiros fogachos

A mulher gosta de ser amada sem que se dê por isso. O homem gosta de fazer figura de parvo a amar, sem dar por isso. São estas as premissas básicas do chamado ‘jogo amoroso’, um comportamento concreto da chamada espécie humana e que a atravessa desde a infância até à falência hormonal.

A etapa inicial do envolvimento amoroso, a que normalmente se dá a designação de ‘primeiros fogachos’, é sumariamente caracterizada pela gestão da carência. O homem está carente (registe-se: o homem é eternamente carente por desígnio divino), e a mulher está fodida por não ter ninguém a quem foder o juízo (registe-se: a mulher precisa sempre de foder o juízo a alguém por desígnio dela). A combinação entre estes dois estados de alma geralmente resulta numa aproximação gradual (diz-se hesitante) por parte do homem, completamente refém da hipótese de rejeição, enquanto que a mulher começa por dar os primeiros sinais interiores de impaciência, mas está ontologicamente proibida de os revelar. O resultado é uma cara a 45 graus por parte do homem (o definitivo paradigma estético da parvoíce amorosa, e que se apresenta exuberante já nesta primeira fase) e um focinho de enjoo por parte da mulher (verdadeiro ex-libris da sofisticada sonsice feminina)

O homem, como se sabe, é intrinsecamente um ser bom (noutro capitulo irei abordar os casos em que a mulher é escrava sexual dum homem até bastante bonzinho) e por isso pensa convictamente que a mulher é da sua mesma natureza. O primeiro contacto do homem bom com a sensação de que a mulher pode ser um pouco dada a comportamentos caprinos dá-se já nesta fase dos ‘primeiros fogachos’ quando ela não fecha os dois olhinhos no primeiro beijo e depois diz que foi dum rímel novo que comprou nas promoções do Feira Nova. No entanto, nesta fase foram raríssimos os casos registados em que o homem topa a pinta do espécime com o qual colou breves segundos os lábios, e geralmente chega a propor: «querida queres que te leve a alguma perfumaria melhor?».


Sintetizando, o primeiro encaixe de peças no jogo amoroso dá-se com o homem a ficar com a sensação que Deus Nosso Senhor lhe proporcionou uma alma gémea com a qual pode construir um caminho de paz, cateterismo sentimental, e de alguma serena penetração anatómica oriunda das zonas pélvicas, enquanto que a mulher apenas acalma um pouco a sua efervescente necessidade de poder ter um brinquedo sem precisar de esperar pelo Natal.

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