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Priscila Bosch organizava visitas guiadas ao Museu do Inconsciente. Era uma moça de tendência discreta, mas quando tocava a dissertar sobre os tesouros da sub-psique expostos naquele museu transformava-se numa eloquente amazona, galopando pelas salas como se fossem relicários em período de cruzadas.
Na sala de entrada, dedicada aos Sonhos, as cuecas que tinham drenado o primeiro sonho erótico de Napoleão eram a peça em destaque e Priscila invocava extasiada que nesse sonho já Josefina teria aparecido vestida de mini-saia, antecipando modas muito posteriores e provando a grande autonomia ontológica do visionário inconsciente napoleónico; ainda sob o olhar incrédulo dos visitantes, Priscila avançava rapidamente para a sala das Pulsões deixando-os petrificados com a sua descrição pormenorizada de como o inconsciente de Tamerlão funcionava enquanto degolava, em séries alternadas, meia dúzia de persas e monhés, intervalando com nêsperas de Samarcanda. Em exposição estava o palito feito com restos de tíbias de afegãos - povo conhecido por ter perna rijinha - que Tamerlão usava na sua higiene dentária. O termo pulsão derivava precisamente do movimento que o grande mongol fazia com a extremidade do seu bracinho quando apalpava caucasianas antes de lhes fazer tatuagens de cornucópias no cocsis, fetiche até aí desconhecido pelos antropólogos.
A zona das exposições temporárias apresentava uma colecção de Complexos de Édipo de jogadores de Basquetebol americano. A peça estrela eram uns brinquinhos em madrepérola que Michael Jordan ofereceu à sua namorada aquando do primero ginger ale que tomaram juntos, e que se seguiu duma lição da tabuada dos nove. Segundo Priscila, a principal razão de sucesso de Michael no basquete estava ligada a uma paixão que ele foi desenvolvendo por um cestinho em tricot que a mãe lhe tinha feito em algodão de Kandahar, e que ele usava para guardar os abafadores e os tomates dos hamsters depois de os capar com um x’ato.
Geralmente, como a ala das Associações Livres estava fechada há muitos anos por causa dum ataque de fungos provocados por uma neurose da múmia do Nabucodonosor que se tinha dado mal com a humidade, a visita passava logo para a sala dos Recalcamentos. Era uma sala forrada a seda adamascada em tons sépia e que tinha uma bateria de vitrinas em pau santo, acolchoadas, com preciosidades várias; a que deixava Priscila mais incandescente era um lápis viarco nº 2 usado por Marilin Monroe quando jogava à batalha naval. Era dotado de forte simbolismo pois estava todo roído a dois terços e, segundo as teorias mais recentes, representava a sua ansiedade mórbida quando pressentia um míssil a avançar em direcção ao seu porta-aviões. Diz-se, por isso, que guardava a sua castidade à dentada.
Finalmente a visita terminava no salão dos Lapsus Linguae e, depois de todos ouvirem uma gravação de Ramalho Eanes a dar uma lição de artilharia pesada baseada na teoria do ‘cone de minhe prime’, Priscila Bosch despedia-se, trocando inadvertidamente o ‘r’ do seu nome, num processo de transferência entre o Priscila e o Bosch, pondo-se totalmente ao dispor de qualquer inconsciente que se quisesse imortalizar na paz aconchegada de umas coxas, perdão, colchas.

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