Strudel free

Três maçãs povoam miticamente a mente do ocidental médio com ou sem prepúcio desbastado. Tratam-se, por ordem cronológica, da clássica com que Eva mais a sua amiga serpente tentaram Adão, de uma outra que Guilherme Tell, com a sua besta, teve de trespassar depois de colocada em cima da carola do filho e, finalmente, a que caiu na moleirinha de Newton e o inspirou a desvendar-nos com que forças se tece o universo e paraísos fiscais adjacentes. (deixo de fora a big apple e outra marca de computadores e telemóveis por falta de verba neste post)

Desde a revolução francesa que se procura uma fruta para destronar esta polpa iconoclástica da maçã, mas, tirando os morangos com a Kim Basinger, nenhuma se conseguiu impor com tanta abrangência de semiótica, inconscientes e miudezas afins.

Assim, cruzando os locais míticos da moral, da nobreza de ideais e carácter, e do conhecimento, a maçã soube colocar-se nos lugares certos para ser a fruta eleita duma civilização e não deixar espaço para outras arrivistas mais exóticas ou suculentas.

Aparentemente a maçã foi criada no terceiro dia daquela semana em que o Altíssimo se dedicou às actividades circenses, por certo num período de arrefecimento das baterias do big bang (note-se que foi uma criação híbrida porque já na altura não havia combustíveis fósseis em quantidade suficiente) mas quero crer que ninguém suspeitaria que ela se ia afirmar como a grande fruta da nossa civilização, destronando numa primeira análise a mais que predestinada laranja, que se deixou obviamente deslumbrar pelo efeito fácil do seu sumo e daquelas ondulações líbidas e giras que fazem os gomos, mas agora estou-me a desviar.

Ora como conciliar estes três acontecimentos que escolheram a maçã como fio condutor; no fundo, como amalgamar sem tirar o sabor às leis de Deus, do homem e da ‘natureza’, onde a maçã tão discretamente se soube colocar, dando-nos até uma lição, pois, sendo quase só água e açúcar, mantém sempre uma aparência tão roliça e rijinha.

O segredo está precisamente na natureza da maçã. Não dá nas vistas mas esteve sempre no lugar certo quando foi precisa. Não ter um sabor de fazer cascatas no céu da boca, não ter uma consistência de coxa do Caribe, não ter a forma duma playmate nem a fama duma ginja, foi isso que fez Deus & Newton & Tell olharem para ela com tanto carinho, sabendo que, com a sua discrição e simplicidade, ela iria dar o toque simultaneamente pitoresco e credível à história sem querer tomar o lugar do protagonista principal; julgo que, inclusive, se Eva tivesse tentado Adão com uma manga a história da humanidade seria bem diferente, pois Adão desconfiaria logo da marosca; e isto, claro, já para não dizer que se fosse um cacho de bananas que se tivesse abatido sobre Newton ainda hoje pensaríamos que a gravidade era um macaco gigante que se tinha instalado no centro da terra. (1)

Insondáveis e competentes continuam pois os desígnios do Criador, mas cumpre-nos não andar a descobrir kiwis quando a coisa se resolve com uma maçã reineta.


(1) e se o Guilherme Tell tivesse posto uma nêspera em cima da cabecita do filho, hoje a Suiça seria uma provincia turca

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