Miss Take

Tinha ficado em segundo. Não passava dum concurso de poesia num grupo desportivo de Souselas, mas ele tinha ficado em segundo. Procurou desesperadamente as causas. Talvez ‘pélvico’ não tivesse caído bem nas provas da secção naturalista, talvez a rima de ‘suplício’ com ‘fenício’ parecesse forçada aos olhos do júri, tanto mais que o enredo poético se passava ali para os lados de montemor-o-velho. Talvez se tivesse baralhado na métrica ao contar pelo dedos, ele não sabia, nem nunca saberia, as razões, as combinações de razões, eram infindáveis. Se calhar apenas ‘falta de mundo’, como se costuma dizer, sentimentos apenas ouvidos, e nunca realmente experimentados, nem de raspão. Uma mãe insipidamente benevolente, um pai ausente, irmãos meramente invejosos, patrões perdidos nas cambiais, colegas bem casados, namoradas de foda clássica, vizinhas sem neuras nem taras, pão nunca amassado por diabos de primeira ordem, saberia lá ele. Ficara em segundo; isso sim. Num caralho dum concurso de poesia de Souselas. De prémio ia jantar com uma brasileira do Recife, especializada em jogadores do Corintians. O primeiro prémio ia com uma moça da Estónia que só trabalhava com russos da energia fóssil. O cabrão ia a rir-se. Pudera. Só podia ter sido por ter abusado das metáforas marítimas. Filhas da puta das ondas, ou da areia, para o que lhe havia de ter dado; e ele que até estava avisado: um primo, no ano passado, tinha-lhe calhado ir lanchar com uma paquistanesa vesga, e tudo por causa duma metáfora com búzios. Falhara na falta de espontaneidade, era isso, perdera o momento, pendurara-se demasiado na merda da hesitação existencialista, fodasse, deixara-se levar por aquela beleza aparente das palavras - a puta da musicalidade - e não as tinha sabido agarrar no momento certo. Três noites a fio a ler uns tais de Blake e Larkin e Plath e Graves, e a musa que os pariu, sem perceber um chavelho e ganhando uma dor nas costas, e, depois, acabar por escolher escrever 'arara' onde apenas se pedia 'ave rara'; agora ia terminar o dia a apalpar uma pernambucana. Pernambucana até nem era um mau nome, mas, fodasse, porque é que ele tinha errado, apanhado mal a rima, e logo com uma porra duns poemas em Souselas . «Miss, para onde me leva?», «Quirido, esqueça seus erros com palavras escorregadias, eu sou boa de pegar; por isso me chamam Miss Take». «Mas estou lixado, fiquei em segundo»; «Quirido, campeão é moleza, eu só curto com vices»

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