A Nirvanária de Lhasa

Joacir Suleim era já a maior revelação do tele-evangelismo da última década. A sua seita tinha nascido em plena cidade de S. Paulo, no seio dum grupo de descendentes de japoneses descontentes com o culto baptista local, que os descriminava em relação aos descendentes de escravos africanos, porque estes cantavam e dançavam melhor, e tinha alcançado uma forte expansão alicerçada em programas de rádio e televisão animados por recreações de cenas evangélicas em que Jesus aparecia sempre acompanhado de miúdas tailandesas giras e cujo jingle do genérico ‘Quem quer jogar a primeira pedra?’ foi um estrondoso sucesso, tendo vendido mais de 3 milhões de cópias, e posto meia América do Sul a cantar o refrão: ‘se você não sabe o que é o pecado / coma só o arroz e bote o filete de lado’. No entanto, outra das razões do seu sucesso foi ter prescindido do clássico dízimo e apenas exigir 7% aos seus prosélitos, que podiam assim gastar os restantes 3% no jogo do bicho, desde que 50% dos ganhos revertesse para um fundo denominado: ‘a bilha da pecadora’. Ficou assim conhecida nos congressos ecuménicos como a ‘Igreja da bilha’, e tinha cada vez mais seguidores que usavam como símbolo uma mão em forma de concha – pelo que eram tratados carinhosamente como os ‘apalpa bilhas’.

Joacir já há muito que tinha começado a fazer incursões apostólicas por outros continentes, e sempre com sucesso, mas sentia agora que tinha de fazer algo pelo distante oriente, que até estava ligado à sua génese sociológica, e pensou ser uma boa – e evangélica - oportunidade dar uma mãozinha aos Tibetanos, propondo ao amigo Dalai Lama uma espécie de franchise do tele-budismo. E lá arrancou ele a caminho da alta montanha com uma proposta revolucionária intitulada ‘A Bilha de Lhasa’.


Joacir – Oi, Seu Lama, belo granel ‘cê tem por aqui, heim?

Dalai L – Tudo bem, isto deve ser a corrente de energia a funcionar, um karma equivale a aí uns 300 amperes…

Joacir – Mas custa-me ver-vos a levar tanta porrada, nem os anabaptistas nos seus tempos mais duros…

Dalai L – O importante é cultivar o bem, manter o espírito limpo, e deixar os avatares poisar…

Joacir – Mas, Dalai, minino, ‘cê tem de ter mais iniciativa, ‘cê tem de acreditar com mais convicção… ‘cê tem de pôr esse nirvana a abanar!

Dalai L – Mas o mais importante é termos sabedoria, afastar-nos do mal...

Joacir – Param as máquinas, seu Lama! ‘Cê com esse negócio aí, e ainda para mais sem uma picanha em condições, ‘cê vai acabar com todo o mundo reincarnando em alcachofra!

Dalai L – Mas então que devo fazer, bodhisattva amigo, achas que devo ser mais activo e provocador como aquela rapaziada do turbante e do chá de menta?

Joacir – Brother Lama, não precisa de se esticar tanto… começa por pensar nisto: um, o povão aí gosta da jogatana; dois, ‘cê precisa de graveto; três, ‘cê não está oferecendo nenhum deus em condições para canalizar tanto karma; quatro, o povão precisa de sentir ansiedade para a religião medrar; cinco, ‘cê tem de pôr umas miúdas na engrenagem.

Dalai L – Humm… estou vendo… se calhar vou diversificar e tomar conta duns casinos em hong kong… juntar as pessoas à mesa da roleta e pô-las a pensar no grande espírito do bem…

Joacir – Vê Dalailão, isso é que é falar! ‘cê faz assim: na roleta, sempre que sair o número 6, toda a receita reverte para um fundo de renovação das pintura dos budas, e nas mesas de cartas, sempre que sair o rei de copas, todo o dinheiro que estiver na mesa ‘cê diz que vai para um fundo para as almas que tenham apanhado algum mau jeito na coluna durante o processo da reincarnação...

Dalai L - .. e se calhar todos os dias às 7 da tarde faço uma happy hour de espargos com berengelas grelhadas a metade do preço… e vai para um fundo para reparar as telhas dos mosteiros, porque se não os avatares ainda torcem algum pé…

Joacir – Ó meu Bodhisattva dum cabrão, ‘cê dava um evangelista dos 7 pentecostados, e como ‘cê vai chamar essa sua rede de casino maravilha?

Dalai L – Pensei em ‘Nirvanária do Karma’ e já tenho um patrocínio do Lipton ice tea…

Joacir – Só lhe falta mesmo uma musiquinha, ó Laminha!...

Dalai L – E tens alguma sugestão boa para manter o pessoal acordado, ali a enkarmar numa boa, a afastar o espírito do mal, e a largar o dólar para a corrente do bem?

Joacir – Basicamente 'cê tem de saber que a meditação só é negócio quando for 'cê mesmo a vender os sofás e a caipirinha, de resto o segredo é sempre: um bom cagaço e um melhor regaço.

Dalai L – Mas Joacir, meu avatar de andorinha, isto é uma espiritualidade milenar, uma coisa é injectar algum graveto na corrente do bem, outra é pôr os meus fiéis a andar de cu tremido… não te esqueças que o Theravada cruza com o Mahayana e nessa altura o Mantra encosta no Fo tsu que nem o Sidharta em flor de lótus a partilhar o Dharma

Joacir – Fosgasse, Lama, vocês parecem-me umas grandas dalailonas… não admira que os xiao pings vos queiram ir ao lombo…

Dalai L – Somos pacientes, queremos alcançar a sabedoria que nos levará à cessação do sofrimento e...

Joacir – Quirido, ‘cê faz-se… mas arranca aí primeiro com esse negócio da ‘Nirvanária’ e depois eu arranjo-te umas bailarinas em Belo Horizonte que até sobes do Rossio ao Karma ainda o Bodhisattva Avalokitesvara Ksitigarbha Sakyamuni não acabou de dizer o nome.

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