O sentimento

A Apologética cristã sempre foi muito sinuosa na gestão deste equilíbrio entre o ‘acreditar’ e o ‘sentir’. E isto tem as suas razões: tanto se necessitam e atraem, como se atraiçoam mutuamente.

Por outro lado, a Exegese cristã sempre procurou encontrar nas linhas e nas entrelinhas das escrituras a humanidade inquestionável de Jesus, dum Jesus que para ter sido ‘perfeito homem’ quase não poderia ‘ter a consciência’ de que era ‘Filho de Deus’, de que era Deus. Mas, simultaneamente, sempre encontrou nos evangelhos, fossem mais sinópticos ou mais teológicos, uma fonte de conhecimento, de revelação, duma verdade que fosse independente dos sentimentos que provocasse, duma verdade que tivesse tanto de metafísica, como de ‘cultural’ e antropológica.

Está, no entanto, no precisar do papel do sentimento uma das grande riquezas ‘culturais’ e ‘humanas’ que a apologética cristã trouxe à civilização. Quando nos é dado a constatar um ‘facto-não facto’ como a da Ressurreição de Cristo, é simultaneamente ‘dito’: acreditares sem sentires não te leva a lado nenhum, mas, se fores apenas à procura do sentimento, quase não ‘vale a pena’ acreditares.

O Cristianismo trouxe ao mundo muitas boas novas, muitas revelações, muitas inquietações, muitos raios parta e muitos aleluias, mas mostrou-nos que o sentimento humano, aquele que se constrói essencialmente com as relações de uns com os outros, é de uma nobreza extrema e caminha a par dessa relação íntima e complexa que é a relação de cada um com Deus e com a(s) verdade(s) que isso acarreta.

A Igreja, apesar de poder estar associada ao débito moral, à doutrinação escrupulosa e ao merchandise de escapulários, é, na verdade, e quase ao arrepio da herança e do enclave hebraico, a grande responsável de ter colocado a fé no lugar que lhe pertence: o coração dos homens. Poderíamos dizer que resolveu a charada grega e devolveu ao sentimento a força da razão e fez da razão a força do sentimento. Como entre duas pessoas que se amam verdadeiramente.

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