Quaresma XX
E agora daquele livro que a Peggy ofereceu ao Beckett ( gajas inacessíveis geralmente oferecem livros a tipos de deficiente socialização) …
Sempre que Oblomov se encontrava deitado absorvido num sonolento letargo ou agitado pelos arroubos da fantasia, na antecâmara dos seus sonhos havia sempre uma mulher (…) alta, graciosa, com olhos meigos mas altivos, e expressão sonhadora, a cabeça graciosamente assente nos ombros, os braços serenamente cruzados sobre o peito, repousadamente sentada no meio das trepadeiras da varanda, (…) a cintura oscilando compassadamente. (…) Imaginava-a em primeiro lugar junto do altar envergando um longo véu e coroada de flore, à cabeceira do tálamo conjugal com os olhos recatadamente velados(…) Imaginava o sorriso dela, não um sorriso de paixão, mas de simpática compreensão para com ele .(…) imaginava os olhos dela, não incandescentes de paixão, mas meigos só para ele. (…) Não queria luar nem melancolia. (…) Não é a secreta aspiração de todos os homens e de todas as mulheres obter do seu par uma tranquilidade sem oscilações, um fluxo permanente e regular de sentimento. (…) Dar à paixão uma saída legítima, deixá-la fluir numa certa direcção como um rio para benefício de toda a província, é o problema de toda a humanidade. (…) Uma vez resolvido o problema, não pode haver nem infidelidade nem arrefecimento, mas apenas uma saúde moral permanente, o bater igual de um coração calmo e feliz. (…) Oblomov teria fugido horrorizado da mulher que subitamente lhe desfechasse um olhar ardente, ou tombasse a gemer sobre o seu ombro num apertado abraço.»
… ‘Oblomov’ de Ivan Goncharov ( pag 281 e segs da ‘tradução’ portuguesa’ para a Civilização) . Uma ‘Comedy of Alienation’ como lhe chama Milton Ehre no livro ‘ Oblomov and his creator’ ( ed Princeton Univ. Press, pg 154, uma grandessíssima seca e então sem pistachios nem queiram saber) curiosamente citando Beckett numa passagem de ‘Waiting for Godot’ em que Estragon em brasa com Vladimir, desdenhando do tempo e do espaço, ( um pouco como Gontcharov) diz: «All my lousy life I’ve crawled about in the mud! And you talk about scenery!». Tenho no entanto de vos confessar que censurei uma passagem do ‘Oblomov’ que dizia «sim, a paixão deve ser limitada, domada e destruída pelo casamento». É que ainda tenho uma leve esperança que este blog sirva de consulta obrigatória para a pastoral da família. (escusam é de acompanhar com o ‘LCD Soundsystem’, como eu faço agora, porque não deve haver sacramento que resista esta sanfona). É pá isto da Quaresma são mesmo quarenta dias? Valha-me Sto Ali Babá. Mas também não queria deixar de chamar a vossa especial atenção - para o caso de terem sido espertos e terem passado ao lado do texto - para a passagem: «obter um fluxo permanente e regular de sentimento». Os tipos do Evax ultra andam distraídos.
E agora daquele livro que a Peggy ofereceu ao Beckett ( gajas inacessíveis geralmente oferecem livros a tipos de deficiente socialização) …
Sempre que Oblomov se encontrava deitado absorvido num sonolento letargo ou agitado pelos arroubos da fantasia, na antecâmara dos seus sonhos havia sempre uma mulher (…) alta, graciosa, com olhos meigos mas altivos, e expressão sonhadora, a cabeça graciosamente assente nos ombros, os braços serenamente cruzados sobre o peito, repousadamente sentada no meio das trepadeiras da varanda, (…) a cintura oscilando compassadamente. (…) Imaginava-a em primeiro lugar junto do altar envergando um longo véu e coroada de flore, à cabeceira do tálamo conjugal com os olhos recatadamente velados(…) Imaginava o sorriso dela, não um sorriso de paixão, mas de simpática compreensão para com ele .(…) imaginava os olhos dela, não incandescentes de paixão, mas meigos só para ele. (…) Não queria luar nem melancolia. (…) Não é a secreta aspiração de todos os homens e de todas as mulheres obter do seu par uma tranquilidade sem oscilações, um fluxo permanente e regular de sentimento. (…) Dar à paixão uma saída legítima, deixá-la fluir numa certa direcção como um rio para benefício de toda a província, é o problema de toda a humanidade. (…) Uma vez resolvido o problema, não pode haver nem infidelidade nem arrefecimento, mas apenas uma saúde moral permanente, o bater igual de um coração calmo e feliz. (…) Oblomov teria fugido horrorizado da mulher que subitamente lhe desfechasse um olhar ardente, ou tombasse a gemer sobre o seu ombro num apertado abraço.»
… ‘Oblomov’ de Ivan Goncharov ( pag 281 e segs da ‘tradução’ portuguesa’ para a Civilização) . Uma ‘Comedy of Alienation’ como lhe chama Milton Ehre no livro ‘ Oblomov and his creator’ ( ed Princeton Univ. Press, pg 154, uma grandessíssima seca e então sem pistachios nem queiram saber) curiosamente citando Beckett numa passagem de ‘Waiting for Godot’ em que Estragon em brasa com Vladimir, desdenhando do tempo e do espaço, ( um pouco como Gontcharov) diz: «All my lousy life I’ve crawled about in the mud! And you talk about scenery!». Tenho no entanto de vos confessar que censurei uma passagem do ‘Oblomov’ que dizia «sim, a paixão deve ser limitada, domada e destruída pelo casamento». É que ainda tenho uma leve esperança que este blog sirva de consulta obrigatória para a pastoral da família. (escusam é de acompanhar com o ‘LCD Soundsystem’, como eu faço agora, porque não deve haver sacramento que resista esta sanfona). É pá isto da Quaresma são mesmo quarenta dias? Valha-me Sto Ali Babá. Mas também não queria deixar de chamar a vossa especial atenção - para o caso de terem sido espertos e terem passado ao lado do texto - para a passagem: «obter um fluxo permanente e regular de sentimento». Os tipos do Evax ultra andam distraídos.
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