Quaresma VIII
Praticamente um plano tecnológico, na versão...
- «Mas realmente, não terá sequer uma ponta de sensibilidade artística? exclamou, ( Ana Sergueienva) apoiando-se na mesa e aproximando, com esse movimento, a cara da cara de Bazarov. – Como pôde prescindir dela?
- Permita-me antes que eu lhe pergunte: para que é necessária?
- Quanto mais não fosse, para poder conhecer e estudar as pessoas.
Bazarov sorriu.
- Em primeiro lugar, para isso, temos a experiência da vida, e além disso, era capaz de lhe demonstrar que o estudo das pessoas, isoladamente, não vale a pena. Todas as pessoas se parecem, tanto no físico como no espírito: todas temos cérebro, baço, coração, pouco mais ou menos de idêntica estatura, e todos acusamos as mesmas qualidades chamadas morais: as pequenas diferenças nada significam. Basta um só exemplar humano para julgar todos os restantes. As pessoas são afinal como as árvores do bosque, nenhum botânico se preocupa em particular de uma espécie vegetal isolada.
- (...)
- (...) Na sua opinião não há diferença entre pessoas estúpidas e inteligentes, entre pessoas boas e pessoas más?
- Claro que sim, como entre doentes e sãos. Os pulmões do tísico não estão nas mesmas condições dos nossos, conquanto a sua estrutura seja idêntica. Sabemos aproximadamente a que se devem as doenças físicas; mas as morais são filhas da má educação, da má organização da sociedade. Numa palavra, corrijamos a sociedade, e acabar-se-ão as enfermidades.
- (...)
- E porventura está convencido de que , corrigida a sociedade, não haverá mais néscios e malvados? – perguntou Ana Sergeievna.
- Pelo menos, numa organização perfeita da sociedade, será indiferente que um homem seja estúpido ou inteligente, mau ou bom.
- Sim, já compreendo, todos terão o mesmo baço.
- Precisamente Madame.»
Praticamente um plano tecnológico, na versão...
- «Mas realmente, não terá sequer uma ponta de sensibilidade artística? exclamou, ( Ana Sergueienva) apoiando-se na mesa e aproximando, com esse movimento, a cara da cara de Bazarov. – Como pôde prescindir dela?
- Permita-me antes que eu lhe pergunte: para que é necessária?
- Quanto mais não fosse, para poder conhecer e estudar as pessoas.
Bazarov sorriu.
- Em primeiro lugar, para isso, temos a experiência da vida, e além disso, era capaz de lhe demonstrar que o estudo das pessoas, isoladamente, não vale a pena. Todas as pessoas se parecem, tanto no físico como no espírito: todas temos cérebro, baço, coração, pouco mais ou menos de idêntica estatura, e todos acusamos as mesmas qualidades chamadas morais: as pequenas diferenças nada significam. Basta um só exemplar humano para julgar todos os restantes. As pessoas são afinal como as árvores do bosque, nenhum botânico se preocupa em particular de uma espécie vegetal isolada.
- (...)
- (...) Na sua opinião não há diferença entre pessoas estúpidas e inteligentes, entre pessoas boas e pessoas más?
- Claro que sim, como entre doentes e sãos. Os pulmões do tísico não estão nas mesmas condições dos nossos, conquanto a sua estrutura seja idêntica. Sabemos aproximadamente a que se devem as doenças físicas; mas as morais são filhas da má educação, da má organização da sociedade. Numa palavra, corrijamos a sociedade, e acabar-se-ão as enfermidades.
- (...)
- E porventura está convencido de que , corrigida a sociedade, não haverá mais néscios e malvados? – perguntou Ana Sergeievna.
- Pelo menos, numa organização perfeita da sociedade, será indiferente que um homem seja estúpido ou inteligente, mau ou bom.
- Sim, já compreendo, todos terão o mesmo baço.
- Precisamente Madame.»
... de Turgueniev, em ‘Pais e Filhos’ ( numa edição da Presença. 1963, pg 125/6) sem referir o intestino grosso. E eu assim deixo-me ir levando por aquele torpor bom, olhos semicerrados, formigueiro na nuca, acreditando que isto se resolve numa argamassa de reformas sucessivas, com cinco de boa vontade e uma de iluminismo; só que depois lembro-me sobressaltado da descrição de Ana Sergueievna umas páginas à frente:
«Despida de preconceitos de toda a espécie, e ao mesmo tempo sem profundas convicções, não retrocedia diante de nada e em parte nenhuma se encontrava com gosto. Via claramente muitas coisas, muitas lhe interessavam e nada a satisfazia por completo, e em verdade nunca procurava completa satisfação. A sua inteligência era ao mesmo tempo perscrutadora e indiferente; as suas dúvidas nunca se aquietavam a ponto de as esquecer, nem tão pouco se exacerbavam até à inquietação. (...) Uma vez por outra também os sonhos lhe bailavam como arco-íris diante dos olhos, mas o certo é que respirava mais livremente quando estes se desvaneciam, e não tinha saudades deles. A sua imaginação, em verdade, bordejava os limites do que regra geral é permitido pela moral convencional; mas ainda mesmo então o sangue lhe corria serenamente, como sempre, pelas veias do seu corpo belo, harmonioso e tranquilo».
E fico sem conseguir dizer muito mais.
Mas isto é a receita do costume: epidural e deixar o sonho, perdão, as instituições funcionar. E concluo que o cidadão modelo devia ser assim: nem aquietar ao ponto de esquecer, nem exacerbar ao ponto de inquietar.
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