Quaresma VII

Isto podia ser uma página qualquer, mas…

«Sim, acontecia esquecer-me não apenas de quem era, mas que era, de esquecer-me de ser. (…) A maior parte do tempo mantinha-me na minha caixa que não conhecia estações do ano nem jardins. E era melhor assim. Mas, lá dentro, é preciso ter atenção, levantar questões, por exemplo, a de saber se ficamos ali para sempre e, se não, quando é que aquilo acaba e, se sim, quanto tempo ainda irá durar, não interessa, mas algo que vos impeça de perder o curso do sono. Colocava a mim mesmo questões, naturalmente, umas a seguir às outras, apenas para as contemplar. Não, não naturalmente, com um motivo, a fim de me julgar sempre ali. (…) Chamava a isso reflectir. Eu reflectia quase sem parar, não ousava parar. É talvez a isso que devo a minha inocência. Ela estava um pouco murcha e como que comida nos bordos, mas estava contente por tê-la sim, bastante contente. (…) E as palavras que eu próprio pronunciava, e que deviam quase sempre ligar-me a um esforço de inteligência, causavam-me sempre o efeito de um zumbido de insecto. Isto explica por que razão eu era pouco conversador, ou seja, esta dificuldade que eu tinha em compreender não apenas o que os outros me diziam mas também o que eu lhes dizia a eles. É verdade que, com muita paciência, acabamos por nos entender sobre que assunto, pergunto-vos e com que objectivo?»

… esta passagem de Beckett em ‘Molloy’ representa fielmente o que se iria passar na cabeça do nosso Sampaio durante estes anos todos em que foi o nosso 1º cavalheiro. E como ele acabou por se esquecer de agraciar o Samuel, eu faço-o neste post, de forma póstuma, portanto; (teve de ser um trocadilho sem incitamentos de base carnal-erótica, face à época quaresmal) ainda cheguei a pensar no meu preferido ‘Murphy’ mas achei-o demasiado agitado para retratar o marido da Mizé Rita. É pá, agora vejo, vai falar o Portas; que Deus me perdoe, mas eu não sei se vou aguentar a Quaresma toda sem falar do Portas. Já sei : vai ser no dia de lembrar o Óscar Wilde em ‘A importância de ser Ernesto’.

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