Todos os dias punha o balcão a brilhar, alguma freguesa haveria de entrar. Passavam-se os dias e o seu olhar empalidecia, o seu papel já a ninguém satisfazia, ora não vincava ora não absorvia, ora rasgava ora entesava, mas ele teimava, tinha uma fé que não acabava, seria o cheiro, pensava, seria o cheiro que iria mudar tudo, um cheiro de comer, carnudo, haviam de ver. Pensou na baunilha, pensou no anis, coçou a virilha, coçou o nariz (não resisti, pronto) e decidiu-se pela maçã; rimava com elan, era o que ele precisava, ele não queria uma multidão, queria apenas uma freguesa que viesse com um bocadinho de tristeza e um olhar de mel, embeiçada no papel, e com alguma devoção, mas com a aquela tristeza viniciousiana do ‘samba da benção’, rezou as suas orações na prevista dose, pôs a tocar os ‘everything but a girl’ , emproou a pose, sacudiu mais uma vez a flanela e sonhou com a entrada dela; a imaginação voou e ela entrou. Era a sua primeira vez, apresentava um andar decidido a disfarçar uma vontade combalida, tipo animal ferido mas com vergonha da ferida. Não seria papel o que precisava, mas dum balcão onde se apoiar, no máximo algo para cheirar, fugia de ombros e de palavras, tinha a alma a decorar escombros e as entranhas enlatadas. Mas ele conhecia as freguesas, as suas fraquezas, o papel que se lixasse, aproveitava-se o cheiro, a música, limava-se assim o receio sem sequer tocar na zona púbica, e agarrou-a nos braços, ela então rasgou um envelope em pedaços e fugiu. Mas já fugiu feliz; ele pensou: chiça, não me apaixonei por um triz; aquele cheiro, aquela música, aquele papel, podia ser miragem, mas era o que lhe aguentava a cartilagem, não conseguia mudar de ramo, precisava daquele balcão, precisava daquela eterna espera, tinha transformado o coração numa esfera, e agora tinha mesmo era de rolar, rolar, rolar, até outra freguesa entrar, e ele finalmente um dia conseguir gritar, abrindo as guelras que nem um pulmão: compras-me uma filha da puta duma resma de papel, ou não?
Contos do fiel papeleiro
Todos os dias punha o balcão a brilhar, alguma freguesa haveria de entrar. Passavam-se os dias e o seu olhar empalidecia, o seu papel já a ninguém satisfazia, ora não vincava ora não absorvia, ora rasgava ora entesava, mas ele teimava, tinha uma fé que não acabava, seria o cheiro, pensava, seria o cheiro que iria mudar tudo, um cheiro de comer, carnudo, haviam de ver. Pensou na baunilha, pensou no anis, coçou a virilha, coçou o nariz (não resisti, pronto) e decidiu-se pela maçã; rimava com elan, era o que ele precisava, ele não queria uma multidão, queria apenas uma freguesa que viesse com um bocadinho de tristeza e um olhar de mel, embeiçada no papel, e com alguma devoção, mas com a aquela tristeza viniciousiana do ‘samba da benção’, rezou as suas orações na prevista dose, pôs a tocar os ‘everything but a girl’ , emproou a pose, sacudiu mais uma vez a flanela e sonhou com a entrada dela; a imaginação voou e ela entrou. Era a sua primeira vez, apresentava um andar decidido a disfarçar uma vontade combalida, tipo animal ferido mas com vergonha da ferida. Não seria papel o que precisava, mas dum balcão onde se apoiar, no máximo algo para cheirar, fugia de ombros e de palavras, tinha a alma a decorar escombros e as entranhas enlatadas. Mas ele conhecia as freguesas, as suas fraquezas, o papel que se lixasse, aproveitava-se o cheiro, a música, limava-se assim o receio sem sequer tocar na zona púbica, e agarrou-a nos braços, ela então rasgou um envelope em pedaços e fugiu. Mas já fugiu feliz; ele pensou: chiça, não me apaixonei por um triz; aquele cheiro, aquela música, aquele papel, podia ser miragem, mas era o que lhe aguentava a cartilagem, não conseguia mudar de ramo, precisava daquele balcão, precisava daquela eterna espera, tinha transformado o coração numa esfera, e agora tinha mesmo era de rolar, rolar, rolar, até outra freguesa entrar, e ele finalmente um dia conseguir gritar, abrindo as guelras que nem um pulmão: compras-me uma filha da puta duma resma de papel, ou não?
Todos os dias punha o balcão a brilhar, alguma freguesa haveria de entrar. Passavam-se os dias e o seu olhar empalidecia, o seu papel já a ninguém satisfazia, ora não vincava ora não absorvia, ora rasgava ora entesava, mas ele teimava, tinha uma fé que não acabava, seria o cheiro, pensava, seria o cheiro que iria mudar tudo, um cheiro de comer, carnudo, haviam de ver. Pensou na baunilha, pensou no anis, coçou a virilha, coçou o nariz (não resisti, pronto) e decidiu-se pela maçã; rimava com elan, era o que ele precisava, ele não queria uma multidão, queria apenas uma freguesa que viesse com um bocadinho de tristeza e um olhar de mel, embeiçada no papel, e com alguma devoção, mas com a aquela tristeza viniciousiana do ‘samba da benção’, rezou as suas orações na prevista dose, pôs a tocar os ‘everything but a girl’ , emproou a pose, sacudiu mais uma vez a flanela e sonhou com a entrada dela; a imaginação voou e ela entrou. Era a sua primeira vez, apresentava um andar decidido a disfarçar uma vontade combalida, tipo animal ferido mas com vergonha da ferida. Não seria papel o que precisava, mas dum balcão onde se apoiar, no máximo algo para cheirar, fugia de ombros e de palavras, tinha a alma a decorar escombros e as entranhas enlatadas. Mas ele conhecia as freguesas, as suas fraquezas, o papel que se lixasse, aproveitava-se o cheiro, a música, limava-se assim o receio sem sequer tocar na zona púbica, e agarrou-a nos braços, ela então rasgou um envelope em pedaços e fugiu. Mas já fugiu feliz; ele pensou: chiça, não me apaixonei por um triz; aquele cheiro, aquela música, aquele papel, podia ser miragem, mas era o que lhe aguentava a cartilagem, não conseguia mudar de ramo, precisava daquele balcão, precisava daquela eterna espera, tinha transformado o coração numa esfera, e agora tinha mesmo era de rolar, rolar, rolar, até outra freguesa entrar, e ele finalmente um dia conseguir gritar, abrindo as guelras que nem um pulmão: compras-me uma filha da puta duma resma de papel, ou não?
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