Na busca do sublinhado perdido

Utilizar a história para descobrir os matizes do presente sempre foi um risco e eu nunca me sensibilizei especialmente por esses métodos de ‘memórias comparadas’. Já quase tudo serviu para explicar e para provocar quase tudo; de Tamerlão a madre Teresa, dum príncipe da renascença a um ditador sul-americano a alma humana já oscilou entre as maiores desordens e as maiores pungências, e as massas humanas já se movimentaram ou já se acomodaram pelas mesmíssimas razões mesmo comendo todos pãozinho de centeio ao pequeno-almoço. Mas de vez em quando faz bem ler o que outros escreveram sobre a maneira deles verem um passado que, no fundo, não é de ninguém porque é de todos. Aqui vai um sublinhado perdido e reencontrado nos ácaros, mas daqueles 'livros de história' que sabem sempre bem ler muitas vezes, nem que seja à toa.

«A energia de um espírito incessantemente absorto num mesmo assunto pôde converter uma obrigação geral numa missão particular; as ardentes sugestões do intelecto ou da imaginação seriam então sentidas como inspirações do céu; o trabalho do pensamento desembocava num deslumbramento e numa visão; e as sensações interiores, o guia invisível, eram descritos sob a forma e os atributos de um anjo de Deus. O passo que leva do entusiasmo à impostura é perigoso e escorregadio; o demónio de Sócrates dá-nos uma lição memorável de como um homem sábio pode enganar-se, de como um homem virtuoso pode enganar os outros, e de como a consciência pode adormecer num estado misto e intermédio entre a ilusão pessoal e a fraude voluntária»

in ‘Declínio e Queda do Império Romano’, de Edward Gibbon, retirado da versão da ‘Difusão Cultural’ de 1995 , II vol, pg 275, no Capítulo dedicado ao ‘Advento do Islão’, e mais propriamente referindo-se a Maomé. Um livro onde os avanços nos primórdios do Cristianismo também são tratados com imensa ‘habilidade’...literária.

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