Contos do interior dum gajo ajuizado

Ele tinha um problema; sempre que pensava no peseiro sobrevinha-se-lhe uma grande vontade de o mandar para o caralho. Não era um pensamento nobre, não era, tentou ainda aliviar com um singelo ‘palhaço’ mas a alma não se amainou e nem mandar tello para os entrefolhos do gineceu lhe recolocou o equilíbrio emocional. Estava numa certa instabilidade, reconheceu-o, e foi sussurrando um ternurento e arrastado ‘grandessíssimos cabrões’ enquanto compensava em registo calórico-freudiano com três embalagens de queijadas de sintra. ‘Foderem-me o juizo é que não fodem’ foi um sinal, foi o primeiro indício que estariam a voltar os momentos de lucidez, que alguma racionalidade estaria a despertar naquele corpo ainda ligeiramente adormecido pelos espasmos neurológicos de peseiro. Um inesperado ‘vão mas é para a puta que os pariu’ ainda se assomou naquela antecâmara que são os instintos maternais que todos transportamos, mas ele já se mostrava irreversível na sua recuperação, sentia-se já como uma Jocasta a dar a mão a um Édipo desesperado; o problema parecia agora superado, fez um riso amarelado, foi buscar o vídeo dos sete-a-um, guilhotinou um montecristo, mas nem o fumou; e para ali ficou. Quando acordou ainda lhe chegou a sair um engasgado ‘cona da minha prima’, mas era a demonstração cabal do regurgito ergo sum e um novo ânimo já o levava a caminho dos abençoados prazeres da cozinha, pensou na beleza que é darmos todos as mãos, convidou um vizinho e foram todos comer uns camarões de espinho. Havia lacunas claro, mas era importante dar estabilidade e força ao grupo de trabalho, e isto sim já era um sentimento nobre, caralho.

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