Outono em Berlim. As bolas é que foram para Pequim. Nem toda a gente as pode ter no sítio



O Outono vende-se muito bem. É como os homens que se vendem a si próprios bem melhor do que as mulheres. O Outono a seu dono.



Não me conhecem, mas lá está, eu sou aquilo que se costuma chamar uma jóia de rapaz. Não se encontra assim, não, sou um achado pode-se mesmo dizer. Sou aquela coisa que se planta no enxerto do homem bom com o homem de confiança. Não, não se apanha em qualquer par de dança, e nem é fácil de descobrir parecido ali ao dobrar de qualquer esquina. Sou mesmo coisa fina, até poderia dizer, se quisesse rimar, mas não quero,

apenas vos quero enganar.

Mas tenham cuidado pois posso vir a deslumbrar, e assim de repente, não estou a encontrar o melhor repelente, mas eu se fosse a vocês até me deixava ficar, é que eu estou apenas a tentar-vos agradar, não vos quero fazer mal, afinal de contas sou inofensivo,

que não é o mesmo que ser defensivo,

por isso é que se deve desconfiar das “terminações”, e se calhar dalgumas suposições, mas eu estou só a desviar-vos as atenções para não se darem conta de que vos quero convencer, e assim nem reparam que sou um homem de fazer desfalecer, quase de ficarem sem respiração, um bom político

não sei se estão a ver,

e se quiserem escapar-me das mãos disfarçando-se em escorregadia geleia, eu transformo-me em pão torrado e atraio-vos de qualquer maneira. São segredos muito meus está bom de ver: faço-vos a caminha, aliso o travesseiro, acaricio-vos o joelho, e ponho-vos a alminha a nu,

pois « quand un homme aime une femme

D’abord, il la prend sur ses genoux
»


Que isto são técnicas, que até chegam a pôr as pessoas frenéticas, que reparem bem! Mas lá está, que um homem assim não pode deixar ninguém indiferente, que até pode parecer irritante, que reconheço, mas que é mesmo assim. Só que – efectivamente, de vez em quando tem de se dizer efectivamente - o homem sonhado pode ser encontrado,

para quê deixar ainda mais isso recalcado.


Mas eu percebo a estupefação. Não sou coisa que pareça poder estar à mão, e de repente parece que estou aí, à mercê de quem me lê. Como uma rima com pernas. Um homem em que tudo faz sentido e até tem um chorar divertido, pois mesmo lendo a dor acaba por nunca ficar ferido.

« Mais voilà

Je n’ais pas

Assez goût pour les livres

Et je songe trop à vivre »


Só que “viver cansa” como já nos disseram, mas eu pedia-vos agora que não acreditassem nessa poesia estéril, é como uma mulher sem um vison, porque «il est évident que le poète écrit / sous le coup de l’inspiration / Mais il y a des gens à qui les coups ne fons rien» e eu não sou como aqueles poetas que se limitam a fazer pendant da cuequinha com o soutien, explorando a ropinha interior, não senhor! Aqui tudo é genuíno, tanto o outono

como a falta de tino.


Mas o que é mesmo mais espantoso e incrível, é que eu até controlo as inclinações como um nível, podem mesmo confiar em mim, que sim, que eu até vivo naquela bela “estupidez” de estar sempre a pensar em vocês, garanto-vos, sou a verdadeira alma sã

«et je pense trop aux gens

Pour être toujours content

De n’écrire que du vent.»


Que, lá está.



E estes meus posts foram pensados para serem lidos em voz alta, sincopados, vereis, sereis de certeza mais bem pagos, pois Deus reembolsa a quem dá uns trocados, aos pedintes de atenção, aos que apenas estendem a mão para ficar a olhar para ela - tivesse Adão ficado a olhar para a maçã ou não tivesse eu de ir buscar a minha filha às tantas da manhã, e o meu corpinho não estaria em perda e não teria escrito esta merda.



As frases itálicas e entre aspas foram retiradas das “Cantilenas em Geleia” de Boris Vian. Ed bilingue da Relógio d’Água, 2004

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