Se eu não falasse hoje desta gaja nem era homem nem era nada
O melhor quadro do mundo e arredores, a milhas de todos os outros e dando baile aos que se querem comparar é a “Alegoria com Vénus e Cupido” do Bronzino. Apetecia-me mas não me vou pôr com interpretações sobre as simbologias e as obscenas perversões que o quadro carrega; dou isso de barato (coisa que o quadro não deve ter sido porque aquele azul ultramarino era o pigmento mais caro da época) e retenho-me antes na sua óbvia artificialidade e "porcelanidade". Quando se vê o joelho de Cupido a encaixar-se na “dobra da coxa” de Vénus, eu quero lá saber quem é mãe de quem, e só me sobra lascívia, disfarçada de ternura para não ofender os olhares paralelos. Não aprecio os naturalismos e gosto das óbvias encenações. Das fabricações sem fábrica. Da política como mero teatro declamado (ia dizer do amor como fotonovela, mas também já achei excessivo). Este quadro hipnotiza-me um bocadinho mais que a conta, tenho de reconhecer, e a Vénus até nem é especialmente gira – as mulheres nunca ganham muito em perfeito perfil, também é certo. A explicação, pensava eu, estava no brilho porcelanado da brancura das suas principais figuras. Mas hoje, por outras razões, acabei por confirmar que não poderá ser isso.
Descobri que me seduz muito mais uma serena cumplicidade do que a excitação dum deslumbramento. Prefiro um doce “prender” a um súbito “surpreender”. Linda frase, sim senhor, nem um creme amaciador ajudava a vender. E não foi Vénus, nem Cupido, quem mo revelou. Bronzino, filho, estás a perder qualidades, e qualquer dia ainda estou a dizer bem do Claude Lorrain. Se começarem a notar algum bucolismo neste tasco, pedia encarecidamente que me avisassem. Se vier acompanhado do lirismo decadente (ou mesmo exuberante), em verso livre ou não, então dou-vos procuração irrevogável para o encerrarem. E esta conversa interessa a quem, ó estúpido. Felizmente a arte também está em crise, e eu agora até trocava bem um dia na National Gallery por uma boa massagem tailandesa. A vida podia ser levada como uma mera drenagem linfática, vendo bem. Vénus, querida será que já me posso virar? Não tenhas problemas que eu tenho as duas orelhas inteirinhas, nunca gamei um cobertor num avião, e sei o que é uma sarapitola. (É pá, qual é o defeito da Ilda Figueiredo?)
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