Por causas das tosses, isto hoje é dedicado aos espanhóis que estão, qual niños, a lamber as feridinhas junto das suas Macarenas
Além disso, está a ficar provado com este europeu que o futebol é coisa de gajas. Só elas falam de bola com propriedade, com erudição e com ligações tão sofisticadas que fazem o Deleuze parecer um vendedor de aspiradores. Por isso eu hoje decidi dedicar-me às crianças – sim, alguém tem de ficar a tratar delas – porque sinceramente não tenho pedalada para vocês, ilustres divas da bola, Gabrielas Alves do meu coração.
A análise do valor (espiritual ou não) da chamada “vida de infância” acaba por poder estar rodeada de algum “lirismo” exagerado. Eu pensava até que se tratava antes duma questão de eficácia para a alma, mas agora vejo que é uma clara adaptação da política pura. E hoje, sem me poder referir ao Montaigne porque ele não percebia nada de putos, o dicionário não ilustrado vai ao jardim-escola nas entradas 769 a 777; (aish!, e é logo hoje que chego a este número que cheira demasiado a cabala e a malabarismos afins)
Ingenuidade – As crianças usam esta sofisticada camuflagem que transforma a previsibilidade num – por vezes encantador – pesadelo. Em política chama-se a isso “fazer dos outros parvos”.
Simplicidade – As crianças são alheias ao fenómeno da matricialidade do mundo, e como no jogo das dimensões só contam até três, sabem que uma boa perspectiva não vale nada ao lado dum gelado de chocolate. Em política chama-se a isto “carreirismo” e “sobrevivência a qualquer custo”
Choro de criança – Estranha eloquência que põe a cabeça em água aos pais, ao ponto de estes se sentirem um mero aquário mal filtrado. Em política chama-se a isso “chantagem eleitoral”, mas se quiserem uma palavra nova: “quem-não-chora-não-mama-ismo”
Memória interesseira – É o mais alto grau de perfeição da memória selectiva, que utiliza apenas o botão on/off como nos amplificadores de som mais minimalistas. Em política isso chama-se “política”.
Abandono – Saber entregarmo-nos nas mãos dos outros é uma bênção só ao alcance duma alma que vive um complexo de superioridade estrutural (agora não tenho tempo para explicar) também próprio das crianças. Mas em política isso transforma-se em “clientelismo”, ou se quiserem uma palavra nova: “empandilhamento”
Escândalo – As crianças são imunes a esse empecilho, vivem o “cagar e andar” duma forma quase metafísica. Em política isso chama-se “não ter de prestar contas” ou, se quiserem uma palavra nova: “quessefodismo”
Incapacidade para subentender – As migalhas caírem em duche para debaixo da mesa, é algo que não traz qualquer confusão epistemológica a uma criança: o que está “sub” é apenas o que não atrapalha ao que realmente interessa, que é o que está “sobre”. Em política isto chama-se “pragmatismo”, ou se quiserem uma palavra nova: “coça-só-até-não-fazer-sangue-ismo”
Inconsciente em formação – Sim, porque o consciente, está mais que visto, é que ainda está por provar que existe. Filha da alma em fusão, a criança concorre com fortes hipóteses de ganhar para o concurso do arquétipo puro. Em política isso chama-se: “um gajo ajeita-se a tudo”
Amuo – Desintegração, chamada de atenção, mimo em excesso, falta de educação. Mas muitas vezes é um dos abençoados momentos em que os vemos quietos. Em política isso chama-se “período de reflexão”, ou se quiserem uma nova: “estão-se-a-borrifar-para-mim-ismo”
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dicionário não ilustrado
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