O nojo dos dias. A saga continua

Das minhas coisinhas



Portugal vive hoje claramente um dos momentos de maior decadência como Estado político independente e soberano da sua história recente.



Uns quantos políticos com caderneta profissional devidamente carimbada e que passeiam os seus chocalhos amestrados por essa Europa fora, lembraram-se de destapar a tampa da conveniência e das devidas aparências que, pelos vistos caridosamente, nos preservavam da imagem pública de povo irrelevante, e disseram ao rapazito que lá aparecia de vez em quando aos almoços, apresentando-se como primeiro-ministro, que gostariam muito de o ver a fazer de mordomo no pavilhão de caça. O seu entusiamo juvenil era tanto, que seria impossível recusar face à miragem duma dispensa cheia de tulicreme, comparada com as tísicas prateleiras do seu humilde apartamento que pouco mais mostravam que umas escanzeladas ferreirinhas com leite.



O rapazola recém-casado e deslumbrado com uma amante supostamente mais experiente, deixa “mulher grávida” e “ala que se faz tarde”. (como já vi alguns, mas esses se fossem a sufrágio eu enfiava-lhes com o boletim de voto bem enroladinho pelo cu acima)



Raramente o poder político doméstico desceu tão baixo. Raramente o desprezo – olímpico ou não – pelo poder político foi uma opção tão válida. Quase apetece dizer: abençoados os corruptos, abençoados os que trocam votos por frigoríficos, abençoados os demagogos de feira.



E não me lixem: Eu quero lá ser ouvido! Eu quero é que não se macem comigo. Eu exijo é, isso sim, reforma antecipada já!



E para espanto meu ainda sou obrigado a ouvir na televisão que o tal de rapazola foi a Belém pôr condições para aceitar. Não! Eu devo mesmo ter ouvido mal. Mas sendo verdade, podes voltar Ramalho Eanes, podes voltar Guterres, sei lá, podes voltar Américo Tomás com a Gertrudes e tudo, estão todos perdoados.



Arrastava-me eu neste estado na hesitação entre desprezar liminarmente estes cabrões e nem escrever este texto, ou então começar a mover-lhes uma marcação tão cerrada que eles haveriam de me desejar a morte, mas foi quando olhei para os meus filhos e decidi ir arejar a mona.



Devia estar em tão bom estado, que para arejar a tola fui buscar a correspondência do Dostoievski (enquanto o mais novo andava de bicicleta, topem! E cada curva, cada malho, para ajudar). Pensei naqueles anos em que o russo andava a fugir das dívidas rodopiando “também” de lugar em lugar pela Europa. O tipo andava a acabar “O Idiota” e reparei que escrevia isto desde Florença numa carta a Apolon N. Maikov (poeta lírico) em 23 de Dezembro de 1868: «Se “O Idiota” tiver leitores, eles ficarão certamente estupefactos com o fim; mas depois de alguma reflexão eles compreenderão que era necessário terminar assim» (1) Ora pois, nós compreendemos, DBarroso, tu talvez também tivesses mesmo de “terminar” assim, mostrando o que eras desta forma, mostrando de forma inequivoca o que valem alguns políticos. É então que, qual reflexo condicionado, dirigido por um neurónio invisível, vou ler o que Robert Walser escreve n' "A Rosa" a propósito deste romance, e recolho: «Não tenho absolutamente nada de idiota, sou pelo contrário, sensível a tudo o que seja racional; lamento não ser herói de um romance.» É o meu lamento também. Só que sobre não ser idiota, tenho pena de não poder dizer o mesmo. E sobre uns gajos andarem a fazer de nós idiotas: estamos conversados.



Procurando fugir deste enredo a que me forçam, fui ler uns blogs. Escolhi só blogs de mulheres ( acho que não digo mais "gajas" até ao Natal), fazendo jus à análise do Bruno, e reparei na desassosegada (o seu a seu dono) que a exposição do Richter terminava hoje. Eu por acaso acho que ele é um homem que não lida bem com a cor, mas nos dias que correm, isso é uma questão de ridícula importância. (mas o que é que fazem aqueles lilases nos quadros abstractos, ó pázinho). Bem, para meu espanto consegui mesmo ir ver.



O meu estado de déficit bucólico deveria ser tão grande que passei minutos sem fim – caso raríssimo - a olhar para o quadro “ Casal de namorados na floresta” de 1966 (se bem me lembro). Mas o inconsciente amestrado funcionou e deu-me um beliscão mental. Ainda fui a tempo de ver um bocado do documentário que estava a passar (costumam ser uma seca insuportável, mas eu estava muito sensível, e nessas alturas papa-se de tudo), e apanhei a parte em que ele falava dos seus “problemas” com a nitidez. O sacanita usa aquela técnica de passar a trincha seca por cima do quadro enquanto está húmido e faz-lhe aquele efeito de desfocado.



Aí estava a solução. Vou aproveitar. Passo a trincha seca sobre esta merda toda enquanto está húmida, e pode ser que estes políticos para lá de manhosos ainda me pareçam príncipes da Renascença. E que se foda. A opção é mesmo o desprezo.



Agora há que ir ver mas é bola. Felizmente não perdi a noção da hierarquia das coisas da vida. Eu ando a escrever cada coisa, caraças.



(1) versão livre de “Correspondence de Dostoievski“ – Vol III, tradução para francês de Nina Gourfinkel para ed. Calmann-Lévy em 1960, pag. 280

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