Banalidades & Irrelevâncias. À discrição.

Não querer ir a lado nenhum e gostar de estar em todo o lado



Eu gosto imenso de roscas moídas. Das que já não estão dependentes da inevitabilidade duma espiral. Das que se libertaram do sinistro papel que é ter de apertar, de segurar, de encaixar, de prender. Gosto dos seres que desprezam as buchas, que se encavilham bem em qualquer lado sem precisar de aconchegos para folgas.

Gosto de quem sabe deslumbrar com uma trivialidade, de quem não precisa dum rodízio para ser variedade, de quem vê um buffet em qualquer jantar de restos. Gosto de gente repetitiva, de gente que não precisa das novidades para inovar, de quem não precisa de obscenidades para meramente ordinarar. De quem lhe basta a luz para ser suavemente obscuro (esta foi um bocadinho para encher)

Gosto imenso de roscas moídas. Borrifam-se para a sua finalidade. Vivem como pregos. Confiam apenas na força e acutilância da sua forma, desdenham os caprichos do seu feitio. Não tenho paciência para gente com feitio. E desprezo conversas com destino. Desprezo discursos com conteúdo. Tristes dos que precisam de conteúdo. São meros jarrões, que acabarão certamente em jarretas.

Admiro imenso os políticos. Sendo simples tapiques aguentam o edifício das nação. Sendo singelos pioneses seguram firme a nossa identidade nacional. Sendo meras dobradiças mantêm-nos as portas abertas para o futuro. Sendo os donos dos discursos de estimação, ainda são os que vão arranjando trabalhito para os tratadores das realidades que trazem atreladas e desejam amestradas.



Hoje o novo dicionário não ilustrado presta uma discreta homenagem aos grandes inertes do discurso. No fundo são os que o fertilizam, são o verdadeiro adubo da palavra mascarada de seara redentora. ( entradas 736 a 745 )



Lugares comuns – Os verdadeiros portos de abrigo do pensamento. Quem não se recolhe nestas enseadas acaba mareado, a ajeitar as velas ao sabor do vento, e a decorar a tábua das marés.



Frases feitas – Aquelas que dão pouco trabalho a montar e deixam-nos tempo livre para poder viver sem precisar de sofisticadas mansardas, meio acampados, meio ao relento.



Generalidades – O que nos descansa do cansaço que são os pormenores, onde alguns quiseram convencionar que estava Deus; só que Deus está em toda a parte, e o pormenor é apenas uma debilidade da nossa condição



Mãos cheias de nada – A falta de argumentos sólidos, permite-nos dar as verdadeiras banhadas só tendo de prestar contas à Senhora da Manicure, que nos vai tratando das unhas e cortando o excesso de peles. ( Ia dizer que no esfregar é que está o ganho, mas achei por bem acobardar-me)



Ideias vazias – São como uma prisão sem condenados; à sua volta, os polícias de turno revezam-se jogando às cartas com as grandes teorias guardiãs, e o tribunal dos princípios exara despachos sobre o desenho e o colorido das grades. A sua existência é mesmo o que garante a verdadeira sociedade livre e segura.



Baboseiras – São os disparates que não se arvoram em teoria. Que se limitam a apadrinhar noivados inconscientes, sem desejarem participar na boda, nem escolherem o destino da lua-de-mel.



Lavagens ao cérebro – Qualquer cérebro tem o direito de viver asseado. Temos é de secar rápido que é para não ganhar fungos. O grande inimigo da liberdade de consciências é um pensamento a condensar vapor. Bem, se for muito ainda dá para passar a ferro, e alisar as personalidades muito vincadas.



Conversas de chacha – A verdadeira conversa, a que não é refém duma finalidade, como uma oração, nem está dependente duma origem, como um reles silogismo.



Palavras ocas – Camada deliciosamente superficial, feita duma massa que nem é dura nem mole, e cujo sonho é ver-se recheada do creme macio e doce das ideias profundas, para que possa ser confundida com um profiterole discursivo. Regar sempre com um adjectivado quente.



Floreados – Figuras de estilo que ajardinam o discurso, e que dão muita boa serventia quando não há tempo para alinhavar um presente de jeito. Já se sabe que quanto mais artificiais mais duram. Mas são raros os que se safam sem umas verduras à volta, e sem um arrepiante postalinho de adorno.

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