Uma das muitas artes que não possuo, é a arte de estar e de ser triste. Fico sempre sem pontinha de encanto, desprezado pelas deusas da estética, e rodeado de “ai credos”. Se calhar devia ter fechado definitivamente esta loja, mas o novo dicionário não ilustrado ainda acabou por me trazer – arrastado – para os sinais exteriores de tristeza. Hoje, isto nem é d’ homem.



A Tristeza – Grande caloteira quando toca a pagar dívidas e, agora descubro, péssima esfregona quando há que apagar dúvidas.



Lágrima ao canto do olho – Esguicho tímido dum canal que, cheio de vergonha, nem irriga em condições, nem nos despeja o esgoto da alma.



Olhos molhados – Estéril lubrificação, que na viscosidade que alimenta, só produz desfocagem e turvamentos. A visão torna-se pantanosa, e a sua drenagem faz-se directamente para o aterro da freguesia da desesperança.



Aperto no peito – Sintoma que, apesar de termos o consolo de não ser enfarte, temos o desconsolo de não passar com nenhum comprimidinho debaixo da língua.



Nó na garganta – Quando as amígdalas se roçam desavergonhadamente umas nas outras, e nem respirar se consegue em tamanho bacanal de inchaços, resta-nos a secura dum reles engolir.



Falta de palavras – Como seremos sempre adolescentes na tristeza, enlutamos constantemente alegres sentimentos, e o léxico fica anestesiado à base de epidurais produzidas com ramela de marca branca.



Tapar a cara – As mãos a encortinarem o rosto, é a melhor decoração quando as vistas só dão para um fardo de resíduos desgostosos.



Morder o lábio – Será sempre o sítio mais a jeito para trincar, desde que a língua se mantenha séria e recatada.



Espasmos de “mas porquê?” – Quando os músculos da alma não estavam preparados para os esticões do inesperado, nem para os saltos da incredulidade; não poucas vezes nos enganamos com emplastros palavrosos.



Olhar vazio – Quando um ponto algures no infinito de turno, é o melhor cantinho onde podemos repousar uma visão que já nada quer ver.



Tremer do queixo – Ao ritmo dessa compressora de sentimentos, deixamos a flacidez da face entregue nas mãos de uma broca estúpida e insolente, que desfaz a pintura e só fura onde não se quer pendurar nenhum quadro



e...



A lição – Mas depois, quando reparamos que há alguém muito mais forte que nós, muito mais inteligente e muito mais nobre, inevitavelmente a nossa tristeza terá de passar. É que a pior tristeza é a que faz de acólita à despedida. Ou de dama de honor, que segura no manto da falsa virgem da resignação



E gostava de poder dizer – enquanto se pode utilizar a expressão, claro! – que a tristeza “não vale um caracol”; a não ser que sejam guisados, e os ponhamos num folhado meio encruado, e embebido em molho esverdeado e morno a lembrar as cores do Sporting quando foi campeão. Bebe-se bem com um branco do norte da Borgonha. Hoje para tinto basta-me o sangue. Merda.

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