Hoje não há gajas inacessíveis
Histórias de desencantar
Sempre desconfiei muito dos artistas que se safam à base de truques. Pensava outra vez naquela rapaziada finória que monta a sua tendinha de farturas encostada à banca dos tirinhos da sorte, para poder sacar todo o tipo de clientela desencantada, e servir-lhes arte tenrinha e às trancinhas.
Um dos que teve de passar nessa venda de rifas foi, por exemplo, o G. Baselitz, que endrominou bem com a famosa inversão de sentido (primeiro andou a apalpar o terreno com umas árvores ao contrário, e depois foi por aí a fora, com miúdas e tudo, o que nem é próprio). O gajito andava já à toa com a fama de banha-da-cobra-seller, quando acaba por se safar por uma unha negra com a colagem à chamada “poética posicional”, desencantada noutro rapaz também muito recomendável que foi o P. Celan. Uma teoria é sempre uma moça amiga que vale a pena ter a jeito, não vá a mulher-a-dias estar com a ciática. Podemos ter de lhe aguentar alguns caprichos é certo, mas depois acaba por desenrascar num aperto. E vejam lá se “poética posicional” não é uma coisa que valha bem ter sempre à mão...
(Deste rapazola, o Celan, eu apenas retenho – mal e não literal – um poemazito em que a “verdade aparece a repassar uma camuflagem que se desfaz em escamas”. Na altura não liguei, mas agora vendo bem até faz sentido, pois muitas vezes só depois duma boa peixeirada é que as coisas se vêm a saber. )
Sigamos (os que quiserem vir claro, ou será prossigamos?). Muitos famosos devem a sua reputação a essas afamadas relações conflituosas entre a expressão e a forma. Sim, porque um artista que se preze ou faz a sua “superação desconstruccionista”, ou então vira aguarelista de fim-de-semana a atrapalhar-se com os matizes do céu.
Kandinski com a sua abstracção talvez seja dos mais famosos a ter engalanado a sua arte com a palhaçada da descoberta. Mas já seria previsível: quando se sai para a abstracção vindo do mundo da cor, sai parolice. (É pá, mas eu já estou a aparvalhar, e a este tipo acho até que já lhe dei mocada a valer aqui no blog por causa das altas baboseiras que ele escreveu; deixo-o agora em paz; bem não deixo: a maior parte das pinturas abstractas do gajo são uma bela merda, e um gajo que diz que «todos os processos são pecado, se não forem justificados pela Necessidade Interior» é uma espécie de fariseu da trincha. Já está)
O Giacometi, com as suas esculturas delgadinhas e esticadinhas, também não o posso deixar a rir-se à minha conta. Ainda para mais acho que o depravado as começava de baixo para cima. O gajo, primeiro era o desespero das empresas de mudanças, porque ao princípio tudo que fazia era tão pequenino que cabia em meia dúzia de caixotes, mas depois quem lhe vai dar uma mãozita extra é aquele outro rapaz arejado, o Sartre. Dizia que a arte deste Gigi era a verdadeira “realidade existencial”. E então foi inevitável: escanzelar passou a ser a palavra de ordem na marcenaria fina. Moral da história: mais um que andou a alimentar o peditório da dita metamorfosis, com maneirismos de bronze e narizes de pinóquio.
(É engraçado como as influências cruzadas dos primitivismos com os surrealismos – que “limparam” mais ou menos toda uma geração – acabaram por condicionar o mecanismo criativo desse pessoal todo, à base de amores e traições, como convém . Por isso é que eu valorizo bem mais a "sofisticação" do que a “basificação”, mas isso já são parvoíces minhas. O surrealismo na pintura é antes de mais uma mera escolinha de desenho.)
Então e o Pollock!(deste não estavam à espera...) a pintar onde o pessoal sério e trabalhador usa o vileda. “Action painting “, pff !?...Essa coisa do dripping ( que nem é original dele, aliás, apesar disso não ser relevante), de regador em riste, sabemos hoje que pouco mais foi que uma pseudo-mijadela expressionista, elevada ao altar de arte informal. Supostamente ao serviço do inconsciente de turno, que afinal não passa dum consciente apenas mais in. No fundo, um consciente para aparecer nas revistas. Tal como a pintura de Pollock. Jeitosa e vistosa, boa mas para marchand se entreter, isso para mim é tinto (se bem que o gajo era mais bourbon).
O meu “deus” é Alechinsky e os outros COBRA’s, e por isso sou muito comichoso, também tenho de confessar.(safa! eu fui mesmo capaz de escrever isto do Pollock!...)
(E é engraçado ver como o Baselitz nos anos 90 até já começa a pintar ao jeito pollockiano: dir-se-ia que, perdido por um, perdido por mil!)
No fundo, no fundo, Sartre afinal até podia ter razão quando dizia que a «existência precede a essência». Estes expedientes de engate estético mostram que a vaselina também precede a terebintina, quando toca a kamasutrar-nos os miolos. Quebrar convenções pode garantir uma memória, mas nem sempre garante uma história de encantar. Não há nada melhor para apreciar uma obra de arte do que tirar-lhe primeiro o encanto.
Nem sempre atar a mão direita para desenhar com a esquerda produz um génio maneirista, e a mim se calhar hoje até deviam era ter-me atado as duas.
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