Um dos problemas do novo dicionário não ilustrado é que eu já perdi o controlo àquilo, e já nem me lembro do que escrevi, das alarvidades que distribui, das anormalidades que subsidiei, e das aberrações que lubrifiquei. Hoje fui compulsivamente levado para o tema da percepção que as pessoas fazem uma das outras, e das mistificações que a apaparicam e adornam. ( entradas 652 a 666 )



A Fama – O que transforma as parvoíces que uma pessoa diz em aforismos, e as suas unhas encravadas em cataclismos.



O Sucesso – A etiqueta que acompanha a fazenda, sonhada caxemira, que é tosquiada no rebanho que se pastoreia pelo hall de entrada.



A Integridade moral – Espécie de laca que garante um penteado certinho, mas não evita as tentadoras lêndeas.



O Carisma – Auréola de cânon difuso, boa para realçar um altar bem iluminado, e melhor adornado pelas genuflexões de turno.



A Fortuna – Cobertor aconchegante, mas que depois vai-se a ver, não passava duma irregular autorização de descoberto, que acaba por ser desmascarada na auditoria final e independente.



A Piada – Idolatria periodicamente repescada, que desperta e alimenta génios de polichinelo à base de esmolas esfregadas de riso.



A Inteligência – Limbo apanhado a brincar aos paraísos com os anjinhos que têm medo de ficar à entrada do purgatório.



A Cultura – Crosta reluzente que produz efeitos especiais ao reflectir prolixidades perante os olhos ávidos de esbugalhamento.



A Atracção “sexual” – Cheiro inebriante que destila o desejo alheio num alambique, e que afinal mais não faz que serpentear o corpo até à evaporação final. Não passamos de gotas lambidas.



A Esperteza – Saracoteio de espinha, que põe as vértebras alinhadas a fazer de corrimão à ignorância.



A originalidade – Excreção que se podia limitar a filtrar os canais que transportam a respiração arrogante, mas que não resiste à tentação de ressequir, e permitir a sublimada mas sempre atraente coçadela de nariz



A Força – O que faz vender dinamómetros. Também embeleza ficha técnicas, provoca devoluções e atraiçoa garantias.



A mente brilhante – Emaranhada de fluorescências de filamento vaidoso, que à falta de melhor uso, sempre podem enfeitar uma árvore de natal



A Pessoa de Bem – Espécie de ungido, que deixa sempre um bocadinho de óleo sagrado a pingar, para lhe poderem limpar o beicinho

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