Danças com Russos.



O império russo quando estertorava sob aquilo que hoje se chamaria a “diplomacia da influência” de uma czarina importada, de cabeça feita por um “bruxo” oportunista, e refém de um filho hemofílico, assistiu a momentos fascinantes que prenunciavam a revolução, ou aquilo que Pushkin previa como uma “Rússia tumultuosa, insensata e cruel”.



Um dos últimos primeiros-ministros “joguetes” de Alexandra & Rasputine foi Boris Stürmer. No auge do descontentamento contra este “artista” incompetente e corrupto, um deputado liberal chamado Milliukov teve um discurso incendiário na Duma.

Desta cessão – nos finais de 1916 - do parlamento russo ficam-me ( li tantas vezes estas histórias em “miúdo” que até parece que estive lá) imagens que hoje são “bem-vindas”. Milliukov ia intercalando as suas acusações ao governo da altura com a famosa interrogação: “Estupidez ou traição ? ”.Tempos de guerra onde o “inimigo” se emboscava de baioneta e não com “acordos parasociais”, “ memorandum of understanding” ou “call options”.

Mas nessa mesma sessão um outro deputado, Vasili Maklakov, “pega” também em Pushkin e “rouba-lhe” : «Ai do país onde o escravo e o mentiroso estão perto do trono».

Finalmente cheguei onde queria. Preambular é o aconchego dos incompetentes. Mas no preambular é que está o ganho.



A estupidez. A mentira. A traição. A escravidão. Tudo moças jeitosas. Casamenteiras, de bom dote, e vestindo das melhores marcas. A proximidade ao poder é corruptora. Esta é uma ideia terrível, mas dificilmente contornável. A existência de “moralidades paralelas”, ou “moralidades de exclusão”, ou “moralidades suspensas” ( como Kundera queria para o romance ) parece ser a receita para a subsistência do poder a níveis de sanidade aceitáveis. Incapaz de lidar com tanta realidade, quem detém o poder, mais tarde ou mais cedo só se consegue alimentar dessas carcaças que vão ficando bolorentas. Mas molha-as e assim já não sente a falta dos caninos afiados dos primeiros tempos. O resultado talvez não seja tão tumultuoso, a crueldade é servida ao ritmo do zapping, e a insensatez vem acompanhada com o molho das estatísticas, o que embebendo o pão traz uma sensação – por vezes chafurdosa – mas deliciosa.



Hoje, o poder também faz muitas vezes como o czar Nicolau, que nesse período de guerra visitava Kiev, os feridos nos hospitais e a sua maezinha.

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