Milagro de la pantalla



Uma das coisas que mais aprecio é a mediania. Aquele monte onde não estão nem os espontâneos, puros e simples, nem os sofisticados, brilhantes e clarividentes.

Montaigne, depois de rodopiar entre os extremos que se tocam, termina o ensaio “des vaines subtilitez”, dizendo que se calhar afinal os seus ensaios só “poderiam sobreviver nessa zona intermédia”. Essa “condição normal” esconjurada pelos vendedores de ideias feitas, representa os que de facto “apercebem os males (...) e não os conseguem suportar”; vale-lhes o quotidiano cruelmente fantasiado, acrescentaria eu.

É para essa “gente do meio” que afinal debitam algumas televisões agora demonizadas pelas inteligências controladoras de turno. «É lixo» – avisam-nos. Meninos de cara tapada, velhinhos caídos no conto do vigário, miseráveis sem eira nem beira, doentes à espera de curas milionárias: «tudo exploração dos sentimentos das pessoas» – continuam a avisar-nos; «distracção fácil e baixa» – esclarecem-nos, «vendidos às audiências por um prato de lentilhas» – concluem em resignação sobranceira.

Mas eu quando olho para o mundo e vejo uma “coluna de pessoas” encontro sempre os da frente com aquele ar empertigado procurando ser vistos pelo chefe, e os da cauda abandalhados sem grande vontade de acompanhar o grupo. Os que valem são os do meio. Hoje ajudar a “desfazer” o rebanho é acarinhá-lo, deixá-lo pastar em paz sem lhe estar sempre a verificar as cáries, e deixar as ovelhas escolherem os seus pousios e as suas cobrições.

Aqueles para os quais todos têm receitas de sucesso, indicações sobre o que deviam ver, ler e pensar civilizadamente, esses que vivem misturados nas “notícias incríveis” e nas “reportagens horríveis”, eles saberão viver com o “cu entre duas selas” como também diz Montaigne, sem precisar que os estejam sempre a afagar.



Obrigado televisões rascas, por nos mostrarem que o mundo é o espectáculo da mediania. Abençoada sejas Nélinha Moura Guedes, e que Deus te providencie uns lábios de Penélope Cruz na próxima reencarnação. E não te preocupes, o Leonardo da Vinci hoje também pouco mais é que um fornecedor de programas para a National Geographic.

E eu volto a ver os telejornais de braço dado com o gascão dos essais.

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