O real despojado



(...)

Olá! Eu cá sou o “real”. Estou um bocado saturado. Estão sempre a maçar-me com descodificações. Andam todos com a mania de me apanhar os tiques, e eu sinceramente já não tenho paciência para aturar tantas opiniões e tantos olhares finos e penetrantes.



Com os gregos eu safava-me bem, porque os tipos inventaram aquela coisa dos deuses, e como havia um para tudo eu passava despercebido assobiando para o lado entre escravos e guerras púnicas. E o Platão até deu uma ajudinha com o esquema da caverna, só que eu passei lá um Inverno desgraçado porque aquilo era muito húmido e tive de desistir.



É que isto de “existir” já é um desassossego por causa das intrigas surdas entre o “ser” e a “essência”, e agora o pessoal ainda quer que eu tenha de servir de ama-seca à “substância”. Sinceramente, um “real” não é de ferro e qualquer dia vou-me amancebar com a “poesia” para ver se não me chagam mais o juízo.



Bem é verdade, eu ainda tive alguma esperança há uns tempos com aquele rapaz o S. Freud. O gajo topou-a bem, e parecia que isto ia correr de feição para o meu lado, com tudo entretido nos sonhos da malta; só que porra, acabar por ser confundido com um “sonho”, também não estive para isso, e até já estava a ficar com uma dor desgraçada nas costas por causa daqueles canapés manhosos onde tinha de me deitar.



É evidente que já aturei uns tipos graxistas como o diabo. O pior era aquele caixa d’óculos do Sartre que não me largava a peúga sempre a dizer que eu é que era importante e que não precisava de amigos blá, blá, blá; ora eu até sempre gramei umas boas cowboiadas, por exemplo com a “natureza humana” eram farras que só visto; mas o gajo insistia sempre que nós estamos “sós e angustiados”, e sinceramente o que eu quero é divertir-me e o último que apague a luz.

E para “subjectividade” francamente já me chega esta ultima cegada que são os jornalistas. Então não é que me impingiram uma filha ilegítima que se chama “notícia”. Eu nego tudo. Façam os testes que tenham de fazer. Os meus advogados já vão tratar do caso. E ainda por cima a sacana, não é que já está a reclamar a herança!! Ela primeiro que se entretenha a brincar aos enfermeiros com a “literatura de vão de escada”, (parece que esta descobriu agora uma coisa chamada “estereótipos”, e como não soa bem a escrever, às vezes chama-lhe “cromos”) e quando me derem um netinho eu vou ver o que se pode arranjar.



Isto desde que o Guterres se foi embora com o “diálogo” a minha vida nunca mais foi a mesma. Que cansativos, pá!...

Se calhar também vou rasgar as minhas vestes. (...)



e o gajo mais não disse...

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