Sobreviver sacudindo
Recebi este texto com um laço azul a abraçá-lo.
“O que eu procuro na transfiguração cómica ou irónica ou grotesca ou burlesca é a saída da tacanhez e da univicidade de toda a representação e de todas as opiniões. Uma coisa pode-se dizê-la pelo menos de dois modos: um modo pelo qual quem a diz quer dizer uma coisa e mais nenhuma senão essa; e um modo pelo qual se quer dizer de facto essa coisa, mas ao mesmo tempo recordar que o mundo é muito mais vasto e complicado e contraditório” de Italo Calvino
Eu por acaso até não gosto da expressão “ isto é muito complicado”. O seu uso tornou-a recurso gasto. Gosto mais de “enrolado” (como até a etimologia da palavra induz) porque mostra o mundo mais próximo da sua condição geométrica .
No entanto, essa coisa de deixar como ferida exposta a ambiguidade de um facto, de uma palavra, dum conceito, de uma pessoa, é algo que seduz. Para o alcançar o recurso às técnicas de humor mais correntes acaba por ser o método mais fácil e corriqueiro; infelizmente a maior parte das vezes, por manifesta incapacidade, também não consigo fugir a esse registo; não fabulo com facilidade, e sou incapaz de introduzir – com naturalidade - a tal “poesis” no discurso.
Tenho assim a impressão crescente de que o discurso humorístico está muito sobrevalorizado, e que aquela ideia (quase psicanalítica) de que muitas vezes é apenas o humor que permite a sadia relativização da nossa existência, acaba por ser a constatação da falta de alternativas de consumo fácil.
Aparece agora igualmente “endeusada” aquela categoria do humor inteligente, que eu francamente não sei o que significa. Todo o humor é estúpido, no seu sentido de assombrado, repentino, até fugaz. Não leva à contemplação.
E é ritualista de facto. Em tempos, o memória inventada suscitava tipologias como “humor institucionalizado”, “humor fechado”, “humor de timming televisivo”, “humor forjador de expressões”, “ humor eficaz”, “ humor de filão”, “humor de provocação gratuita”, procurando descodificar os casos de sucesso comercial do chamado humor profissional. Ou seja, o humor também pode banalizar a transfiguração da realidade ao fazê-lo de forma demasiado ortodoxa, maquilhada com uma grande variedade de trejeitos sacudidos.
É que o mundo também é muito mais vasto que a sua aparente ambiguidade.
Relativizar é apenas sobreviver. Às vezes rindo.
Agora vou ver se descubro uma piadola a gozar com valencianos e suíços....
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