O Poder e o humor



No início dos seus “ Testamento traídos” , Kundera citando O. Paz refere que o humor é uma espécie do cómico que “ torna ambíguo tudo o que toca “

É nesta ambiguidade que se encontra a grande afinidade entre estes dois processos.

a) O poder é mais forte na expectativa do que no seu exercício. No entanto, se não se concretiza não é poder.

Temos assim que o poder tende a ser mais forte em potência do que em acto. As formas insinuadas de humor são também por vezes mais seguras que as formas explícitas. (ex : «... andámos de paixão em paixão até ao pagamento por conta final ». - Ou seja, um poder eternamente em potência descamba numa coisa sem piada nenhuma )

b) O outro outro-eu, quando entrevistou Umbral , sacou-lhe : “ Essa é também a história da minha vida: pôr em prosa toda a minha poesia para poder cobrá-la “ . O poder também tem de gerir esse equívoco : precisa de se transformar em realidade para se concretizar. Tem, portanto, de deixar de ser poder para ser poder. O humor aparece para captar esse momento de pura ambiguidade. ( ex : «...se um GNR que esteja com “ termo de identidade e residência “ me mandar parar na estrada ...quem pede os documentos a quem ?...») Aqui o poder Judicial ao ser exercido banalizou o poder legislativo e o humor não perdoou...

c) H. Bergson no seu livro “ O Riso “ diz a certa altura “ ...Daí o carácter equívoco do cómico . Não pertence nem completamente à arte nem completamente à vida” . Com o poder passa-se o mesmo ( Ex : O ministro Carlos Borrego foi demitido (por Cavaco S.) por ter contado uma anedota inconveniente – Só de nos lembrarmos disto nos rimos , ou seja, uma verdadeira situação cómica do exercício do poder, que é transportada para a nossa imaginação pelos mecanismos do humor.



Dir-se-ia : No fundo, tudo se resume ao facto dos políticos serem um alvo fácil. Até aqui a similitude é cruel : Pensemos num alvo, e vejamos se um político não é também alguém que está aí , mesmo a jeito, com um discurso sempre às voltas do mesmo, e com números espalhados por todo o lado...

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