viegas perdeu o emprego

Já estava praticamente em paz com a minha consciência, e inclusive com um bom negócio já apalavrado com o inconsciente, depois da alarvidade do post anterior, quando sou desamparadamente confrontado com uma entrevista que o Gonçalo M Tavares deu ao pravda da united colors of blogotton. Vacilei. De vez em quando fico infectado com este vacilo.

Como qualquer sportinguista sabe vive-se no nosso clube, seguindo o país, um momento de grande glória sob o triunvirato sergio-costinha-bettencurte. Julgo, pois, que é o momento certo de darmos mais um exemplo a todos e enriquecermos o discurso da 'entrevista-em-futebolês', introduzindo no seu seio o perfume do literaturês, ou seja, aquele incenso inebriante que emana das entrevistas a escritores e que se poderia também resumir em futebolês pelo: ocupar o espaço do entre-linhas. As entrevistas as escritores são das melhores coisas que não servem para nada do mundo - bem acima das pinturas do vasarely ou das vassouras dos kits lareira - e são uma oportunidade única que um treinador lagarto não pode nem deve desperdiçar quando precisa de dirigir a atenção para tudo menos para o que se passa no campo.


E foi assim que o júri do prémio Goncourt se lembrou arrancar com a nova categoria de prémio para a 'melhor entrevista a treinador estrangeiro', ao que Paulo Sérgio se devia candidatar aproveitando para usar algumas passagens com que GM Tavares abrilhantou a supracitada entrevista; passo a exemplificar.

Prémio Goncourt - Diga-nos, Paulo Sérgio, acha que as suas tácticas são determinantes para o jogo?

Paulo Sérgio - Tal como GMT disse «gosto muito da ideia de que cada forma diferente de escrita marca logo o conteúdo do que escrevemos», eu também gosto muito de considerar que são as minhas tácticas que determinam a merda de jogos que temos feito; eu estou para o bom futebol tal como certos romances estão para a arquitectura de interiores. Estou a pensar inicir uma nova estratégia de jogo a que chamarei 'Bairro Barbosa'.

P. G. - Sim...então, diga-nos, por exemplo, que instruções tinha dado ao seu jogador Vucevic para este se ter posto com fintinhas junto à bandeirola de canto quando podiam perfeitamente ter tentado ganhar àquela equipa do miúdo rouco, que até tinha menos um matreco e jogava com uma maçâ podre?

P.S. Bem, eu tinha dito ao Vucevic que, tal como ao GMT, «o que me atrai não é tanto o obstáculo é mais a ideia do cantinho escuro», ou seja, ele que procurasse os lugares do campo onde fosse feliz que assim as coisas bonitas e importantes haveriam de aparecer...

P. G. Sim...mas...não apareceram!?...

P.G. - Repare, eu e os meus jogadores somos como o GmT: «o que eu quero é ir iluminando partes do mundo que não conhecia», e todos nós sabemos que a zona da bandeirola de canto é ainda um grande mistério para o mundo do futebol.

P. G. - Vejo que aborda o jogo duma forma muito pessoal...

P.S. - Eu sou muito gmtavaresiano na forma de ler o jogo, como ele diria: «instintivamente , quando recebo uma 'jogada', é como se me movimentasse em redor dessa jogada', olhando para a parte de baixo dos passes, das desmarcações, como se pudéssemos levantar a saia dos dribles». Os bons treinadores estão sempre a desbravar a intimidade do jogo mas sem o macular, «eu não quero impor-me ao 'jogo', tento sempre colocar-me na posição de receber aquilo que ele me quer dar»

P.G. - Será por isso que uma ou outra vez alguns treinadores estão de cócoras no banco a olhar para o campo?

P.S. - «O Wittgenstein tem uma frase que considero muito bonita em que diz que quando quer mudar de teoria muda o corpo de posição. Isto faz muito sentido». E, como diria gmt, (não sei se já me referi a ele) treinar «não é mais do que contar uma história, que é a história de uma ideia».

PG - Acha que o seu treino, as suas tácticas, são mais histórias ou mais ideias?

PS -«Esta divisão entre histórias e ideias é uma divisão incorrecta». Eu «sou claramente do mundo das ligações», vejo o futebol como um processo, uma constante criação, «a pessoa vai avançando, avançando e a certa altura está num sítio diferente. Está naquilo.» O jogo é uma sequência de aquilos e os problemas que nos vão confrontando são precisamente os calcanhares d'aquilos.

PG - E então, sr Paulo Sérgio, como consegue equilibrar o jogo que salta tantas vezes de aquilos para aqueloutros duma forma tão vertiginosa?

PS - Bem, como diria GmTavares (julgo até que já falei dele) «estamos num mundo em que a questão do actual e do importante se joga minuto a minuto» e a minha fórmula é sempre esta, eu abordo o jogo como se ele já tivesse acabado, volto a GmT: «eu trabalho em diferido»

PG - Será então essa a razão pela qual esta época contratou 35 defesas centrais para depois continuar a jogar outra vez com os mesmos que já tinham provado ser uma bela trampa?

PS - Escalonar uma equipa é uma tarefa muito delicada e é preciso estabelecer critérios, «porque pode estar tudo numa confusão total, podemos estar mergulhados em elementos distintos, uns que atiram para um lado e outros para outro; quando começamos a organizar isso por ordem alfabética, a coisa ganha logo uma ordem, uma mágica». Eu acredito na mágica da ordem alfabética para definir uma equipa titular, e esta mágica irá impor-se, tenho a certeza.

PG - Mas terá de concordar que até agora não se viu nada de jeito...

PS. - Muitas vezes o processo da vitória e do sucesso é «um processo em que aquilo que nos parecia claro e evidente se torna mais escuro, mais obscuro». Ser vitorioso é ser paradoxal.

PG - Mas não há aí uma negação do heroísmo tão próprio da magia do jogo, do desporto?

PS - «Isto segue a estrutura da epopeia, logo desde a tempestade, no início». A magia precisa que primeiro se instale a perturbação, a desordem, é dessa combinação, sequência mesmo, que resultará o sucesso, como diria gmt (que, julgo, já referenciei há pouco): «nós precisamos das duas coisas, não te esqueças, cuidado, aqui há um perigo, mas ao mesmo tempo também acho que o encantamento é fundamental».

PG - Então vê os seus jogadores quase como personagens?...

PS - Claro. Por exemplo, Vucevic «é uma personagem que sabe muito claramente que é uma personagem, ali não há qualquer tentativa de parecer real». Por outro lado, se repararem bem, o Matias Fernandez (um jogador que foi contratado através do Facebook), joga como se levasse o santo graal na mão...

PG. - Acha que isso dará resultado?...

PS. - Posso-lhe assegurar que se GmT disse que «quase podemos organizar o mundo a partir do que as pessoas levam na mão» eu penso o mesmo em relação ao jogo, por exemplo, o Postiga nunca larga o seu cubo rubik e muitas vezes tem de rematar logo porque tem de tratar dele dado que as peças encravam muito com o uso e com a humidade da relva.

PG. - Se nos pode satisfazer a curiosidade... o que é que o João Pereira traz no seu regaço?

PS. - O João Pereira é um caso à parte porque é um rapaz que não consegue estar parado e eu , tal como o GMT (não sei se ouviram falar dele), «tenho muito medo das pessoas que não sabem lidar com o tédio», por isso como é importante tê-lo sempre em actividade, não vá arrear em alguém, ponho-lhe sempre na mão um pacote de cajus para ele ir roendo.

PG. - Julgamos entender... Identifica algum momento que tenha sido o seu primeiro grande entusiasmo táctico?

PS. - No jogo «gosto de coisas completamente opostas»... por exemplo, tal como GMT, entendo que «a grande velocidade é muito violenta», mas ao mesmo tempo o 'tédio também é perigoso', por isso tento incutir aos meus jogadores o encantamento da zona da bandeirola de canto ou do circulo central, e nos dias mais luminosos digo-lhes para irem uma ou outra vez à meia lua da área. Aos 18 anos vi os vídeos de todos os toques de calcanhar de Roberto Baggio, hoje não sei se seria capaz.

PG. - Acha então que se pode pensar no jogo como um lugar caótico, cheio de micronarrativas?

PS. - É engraçado: «parece-me que as pessoas ou são muito do e ou são muito do ou». « Eu 'vejo sempre vários jogos ao mesmo tempo'».

PG. - É por isso que os seus jogos estão sempre em diálogo com outros jogos?

PS. - É evidente que toda a tradição cultural está presente, não se pode pensar num Polga sem ignorar que já existiu um Hugo, nem se pode pensar num Saleiro ignorando que já existiu um Purovic, não se pode pensar que começámos logo a perder com o paços de ferreira sem esquecer que perdemos uma final da taça uefa em casa depois de estar a ganhar ao intervalo. 'Qualquer jogo que se jogue é sempre uma ousadia', como diria o nosso GmTavares, de quem julgo já falei aqui à atrasado.

(é evidente que esta potencial - e claramente precursora - entrevista de paulo sérgio para ser bem compreendida teria de ser acompanhada da leitura da entrevista de gMtavares à tal revista Ler (trechos entre aspas), mas como esta não foi incluída no pacote proposto para a campanha do banco alimentar, lamento o incómodo)

2 comentários:

Camilo disse...

... só não percebi uma coisa:
o Paulo Sérgio é... "treinador" de quê?!!!

aj disse...

foi apenas uma liberdade de linguagem