Do[u]ble face



O Twitter retira-nos a capacidade de olhar romântico, e até lírico, sobre a realidade. Reforça-nos um certo cinismo de bolso, dá-nos um alibi para a preguiça e é um gatilho permanente de pívia mental. Sinto-me, naturalmente, bem naquele ambiente mas, curiosamente, deu-me a pedra nostálgica de quando aqui escrevia textos não menos intempestivos mas mais temperados, não menos irónicos mas mais calorosos, não menos vazios mas mais cheios. Mente-se melhor aqui, e, assim, a mentira torna-se mais próxima da verdade, aqui a ficção luta constantemente com a coisa real, lá tudo é essa massa informe, o instantâneo, que está para o exibicionismo como as pestanas estão para os olhos. Aqui, quando chove gostamos de inventar um boletim meteorológico solarengo, aqui temos pena de quem sofre, lá quando a prima do tsipras espirra nós queremos é que ela se constipe porque só um espirro não paga um tweet. Aqui damos valor à banalidade, lá somos exigentes com a realidade que tem de ter sempre atrelada algum fogo de artifício. Lá queremos sangue aqui queremos lágrima e apenas a tristeza é original como disse o mestre das barbas brancas no romance de todos os romances. Se soubesse tricotar agora fazia-vos uma camisolinha de malha.

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