O Manifesto


Caros Concidadãos, a minha mensagem é clara: não me interessa o futuro. Esse já nem a Deus pertence. Deus começou a desinteressar-se do futuro quando viu que já há entidades reguladoras para as aberturas de águas, pragas & exorcismos, o que lhe retiraria toda a margem de manobra. Assim, meus amigos, eu estou aqui para vos apresentar a minha nova devoção: o curto prazo. O momento fugaz, o passageiro, o entra e sai, a experiência volátil, o efémero, a nuvem. Todos somos orvalho. Quero o berloque, não me interessa a colcha. O que vale um credo arrastado quando podemos ter uma jaculatória feliz. Comigo serão abolidas todas as medidas estruturais, toda e qualquer politica que arraste os seus efeitos para mais de quinze dias será imediatamente cancelada. Temos sido reféns desse nefasto paraíso que é a visão do futuro, irei libertar o país desse espartilho e servi-lo com a túnica larga daquilo que verão acontecer de seguida, inaugurarei a República do Imediato. Todo o cidadão terá direito a uma frase célebre para afastar qualquer diabo momentâneo, todo o contribuinte terá uma citação aliviadora quando entregar a declaração de impostos e ao passar duma portagem em vez do preço acenderá a luz com uma epígrafe que lhe conceda logo um resto de viagem feliz.

Nesta nova República do Imediato serão agravadas as penas para quaisquer intenções de preparação de futuro e a expressão 'gerações vindouras' apenas será permitida à entrada dos cemitérios. Quero os efeitos bem coladinhos às causas, estão proibidos cenários, pressupostos, deduções, expectativas, e a minha primeira medida será o 'Acto Rápido': o contribuinte quer, o ministro sonha, o dinheiro nasce. Acabam os Planos de Enquadramento, acabam as Perspectivas e os Acordos de Sustentabilidade, a Contingência tomará o merecido assento no Poder. Amanhã será sempre outro dia e jamais a continuação do anterior. Onde estiver um braço estará um martelo, onde estiver um martelo estará um prego, onde estiver um prego estará um alicate. Seremos apenas sequência e desprezaremos a finalidade, o destino será acaso e nunca fatalidade. Enfrentaremos a história com uma tatuagem nova no peito: 'o último não precisa sequer de apagar a luz'.

Excerto do manifesto eleitoral de Flaubert Queirós, candidato eleitoral indicado pela Ordem dos Epigrafistas às legislativas de 2014, e publicado no nº especial eleições do Correio de Bucelas

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