O Diário [II]


A Viviane acabou de sair daqui. Jantámos, ela estava de poucas falas, o que é normal, a condenação de plágio, por mais que ela desvalorize e até brinque com isso, acabou por lhe reduzir as possibilidades de ser nomeada comissária para a Grande Exposição da Rima Portuguesa. E é injusto, claro que é injusto, ninguém conhece os mecanismos e a história da rima portuguesa como ela.

Fui carinhoso com ela, sim, acho que fui, fui. Tendo em conta a minha insegurança em relação aos sentimentos dela, e àquele raio de sensação que tenho de que há qualquer coisa que me falta para que ela goste realmente de mim, até fui carinhoso. Vou morrer com esta sensação de merda. As sensações deitam-nos tudo a perder. Devia ter apostado mais nas ideias quando era novo, mas se calhar fui preguiçoso, ou as sensações começaram a render-me mais cedo e acomodei-me. Ainda me lembro da minha primeira sensação romântica: uma miúda gira, esperta, muito cobiçada, e eu a imaginá-la a reprimir a atracção que tinha por mim, se tivesse pensado melhor talvez a tivesse esquecido logo e pouparia a minha úlcera e aqueles contos todos que escrevi e de que agora me arrependo. Mas são estas Vivianes que lançam os homens nas mãos das Simones.

Excerto do Diário de Salvador Alves Arinto, entrada de Novembro de 2013, apresentado em pré-publicação em Maio de 2015 no Agregador Cultural Sigma.

2 comentários:

Anónimo disse...

Trocar um arinto por um sauternes (ou mesmo só um bom moscatel) não tornaria o mundo, err... a ficção, mais doce?

C.

aj disse...

mas eu depois não saberia o que fazer com tanta doçura