A impertinente sedução

Esta é a história de como um lapso condicionou a vida dum rapaz que até tinha algumas possibilidades de vingar na vida, designadamente na vida que interessa em momentos de dívidas soberanas, que é a vida amorosa, considerando que a moral é de um campeonato diferente e não está sob a ameaça dos mercados. Soeiro Vicente era bancário e ganhava a vida ajudando o seu patrão - mesmo que anónimo - a sacar comissões de descoberto a comerciantes dum centro comercial. Fruto dessa ignominiosa actividade foi criando uma rede de contactos que o levou sem especiais percalços a travar conhecimento dalguma forma intima com Sónia Luz, competente vendedora duma loja de relógios, moça com boa apresentação e que nem abusava do doping cosmético, se bem que não conseguia fugir da alavanca do salto alto, uma verdadeira vertigem para quem tem de sobreviver abaixo duma certa métrica. Um bancário discreto e uma vendedora de relógios parecia garantir um equilíbrio de forças com boas hipóteses de sucesso quer emocional quer até nas outras amanuências adjacentes à paixão. No entanto, Soeiro achava-se pouco atraente e, mesmo que não enciumasse em excesso , não poucas vezes fechava a agência pensando autobotonicamente em que pulso estaria nesse momento a sua Soniazinha a segurar, tentando impingir um par de cronómetros que, já se sabe , são tão falsos como o amor e os pêssegos que largam caroço. Geralmente dois suspiros e um alivio no elástico das cuecas e a ansiedade passava. Mas certo e não previsível dia, a sua irmã Lurdes deu conta da insegurança de seu irmão e foi peremptória como são quase sempre as irmãs nestes temas: tens de aplicar a sedução, mano. Infelizmente tal conselho foi-lhe dado no rescaldo duma intromissão periscópica em certos e determinados canais do seu interior gástrico e, inevitavelmente, pelas leis reveladas ao universo por um moço vienense de maus fígados, Soeiro interpretou que tinha de aplicar uma sedação em Lurdes para a libertar dessas putativas tentações com os pulsos dos clientes, e um dia, ao fim da tarde, aviou-lhe um spray pelo bucho. Sonia relaxou, inebriou, toldou-se-lhe a luz e ficou-lhe nos braços. Foi nesta altura que Soeiro pegou na gramática e com espanto reparou que se um verbo avançava para seduzida o outro se afastava para sedada. Agora, nada a fazer, ajeitar as almofadinhas, e esperar pelo despertar de Sónia: viria à superfície como uma sereia agradecida pelos feitiços do seu morfeu, ou como uma bulldozer pronta a dizer, prepara-te, meu cabrão, que aqui vou eu. No fundo o dilema de todos os homens que mesmo sem se enganarem nas terapias ficam com uma mulher nos braços. Soeiro, bancário de comissões a descoberto, afinal fora esperto, teve-a na mão, nem que fosse à base duma lapsada sedação, mas passou o resto da tarde nas compras, a aliviar da pulsão que levou nas trombas.

1 comentário:

matrioshka disse...

de pormenores geniais e de outras coisas que nos restam.