Feelingland

Depois de terem falhado todos os ramos da gurulogia, desde economistas, taxistas, apresentadores de tolquechôs, até sábios das mais diversas proveniências étnicas, e depois de se ter concluído que afinal desde Tamerlão não se produziram mais políticos com mão devidamente lubrificada para a coisa pública, a ONU decidiu construir uma cidade destinada a favorecer o aparecimento de seres inspirados. Numa tentativa entre a utopia ingénua e o segregacionismo compulsivo nasceu a Feelingland que, como o nome indica, se preparava para transmitir a quem lá habitasse aqueles je se sait quoi's que podem fazer toda a diferença, fossem eles receitas de torresmos, frases encantadas ou fórmulas integrais combinando o hemorroidal, a inflação e o desemprego.

A família Saraiva Pontes, de Santo Tirso, foi das primeiras a ser colocada, tendo ficado numa vivenda geminada com a da família Saharim Custhar do Benim. A obtenção de feeling pode estar sujeita a imensas interferências, sejam elas de índole filosófica, metereológica, psicológica e até gastroentrologica, pelo que os habitantes de FL tinham sobretudo de cuidar das suas diversas canalizações e manter-se atentos, de resto viviam a sua vidinha, como se estivessem num terraço de Hong Kong, num rés-do-chão em Budapeste, ou num glaciar para turistas & postais nos arredores de Reikjavick. Julio Saraiva Pontes teve a sua primeira aproximação de feeling quando perante a perda dolorosa do seu mui amado cachorrinho Chiló, anteviu um mundo de carências afectivas várias e insuportáveis, que o levaram a escrever no caderninho azul - que era distribuído a todos os residentes - um enigmático 'tudo pelo coração'. Muitas esperanças estavam depositadas em FeelingLand pois não tinha ainda desaparecido a crença no poder regenerador da natureza humana desde que esta conseguisse de vez em quando apanhar um bocadinho de ar fresco.

As pessoas escolhidas para habitantes tinham principalmente de cumprir um requisito higiénico: toda a merda que fizessem: limpavam. Parecia simples e impediria, na opinião dos progenitores da ideia, o aparecimento de iluminados pois, como se sabe, há uma grande diferença entre a luz e o feeling, 'but only god knows, folks', estava inscrito por todo lado, apelando a uma certa humildade clericalizada.

Baba Saharim Custhar era uma mulher com uma notória tendência para viver em patamares de experimentalismo espiritual, aquilo a que vulgarmente se chama em ambientes mais poluídos pelo preconceito: chanfrada. Mas a sua vinda para FeelingLand trouxera-lhe uma curiosa adaptação, a consciência de que tinha uma missão a cumprir apegara-a às coisas mais prosaicas da vida ao ponto de ter registado no seu caderninho: 'tudo por pouco'.

Esta experiência da FeelingLand parecia poder correr alguns riscos de desaguar num minimalismo sentimental, numa grotesca e requentada hippiezação da encruzilhada humana. No entanto, os estudiosos e mentores da feelingopoly já tinham pré-avaliado o processo e estavam preparados para a existência duma primeira fase de 'fantasismo dislumbrativo simplista' ('fds') que se iria desvanecendo aos poucos; não foi pois de estranhar que Gaspar Rumsfildenskopf num domingo de sol tardio dos inícios de Outubro tivesse exclamado numa espécie de speaker's corner de FL: 'amarmo-nos mesmo muito é apenas um trava línguas'. Estava dado o mote para o início da segunda fase de feeling, a 'negação da simplicidade do mundo' ('nsm'). Por mais que parecesse uma caixa de pandora, por mais que se suspeitasse ser uma quintessência da antropologia criativa, o Feeling afinal poderia não ser mais que um processo comandado por variáveis estudáveis e manobráveis pelos polvos suspeitos do costume.

Chang Tang Song estava em FL já há dois anos quando teve a sua primeira experiência, com comprovação técnica, de feeling. Tudo se deu quando lhe pediram por um par de peúgas mais do que por um par de sapatos. Aparentemente - revelara-lhe o seu complexo emocio-cerebral - se só havia lugar à existência da peúga por causa da prévia existência do sapato, a primeira não deveria exigir mais recursos que este último. O caderninho foi sacado e recebeu de benção epigráfica: ' o aperfeiçoamento faz-se de fora para dentro'. Se os pobres são malucos e os ricos são excêntricos, os Feelinglanders eram urbanizadamente bafejados por uma percepção clean do mundo. A fase 'nsm' era uma verdadeira fase de transição, prepará-los-ia para o acto que os teóricos chamam de 'desembrulhar a criação', e várias famílias estavam já a entrar nesse período de síntese de feelings.

Face aos risco de proliferação de feelings errados, os teóricos da Feelingpoly determinaram que deveria começar a haver uma intervenção externa quando se entrasse plenamente na fase de 'full-feeling-fantasy' ('fff')  . Assim, enquanto os Saharim Custhar, ou os Saraiva Pontes, ou mesmo os Rumsfildenskopf, ou até os Tang Song se libertavam dos primeiros constrangimentos do catch-feelings e abriam as suas mentes à percepção do what really matter, foi necessário criar estruturas para recepcionar o produto, conservá-lo, e etiquetá-lo convenientemente para posterior distribuição pela comunidade mundial. Mas falávamos apenas da compreensão do mundo, não havia necessidade nem de histerias nem de luxos. Curiosamente, aqueles que recebiam os right feelings não eram os mesmos que os sabiam reconhecer e dar-lhe os adornos certos, pelo que rapidamente a FeelingLand acolheu um novo tipo de residentes: os feeling-filters. Daí a criar-se uma clivagem entre os feeling producers e os feeling filters foi um pulinho, e esse conflito acabou por minar o processo, deixando por um lado muito feeeling razoável desperdiçado e por outro lado muito falso feeling em condições de ir para o mercado. Parecia estar tudo a voltar ao princípio e a estatística começou a tomar conta da realidade: por cada 3 bons feelings produzidos era enviado um dirty-feeeling. Ramish Saharim Custhar foi até apanhado na teia do tráfico ilegal do dirty-feeling e foi expulso por ter enviado para o mercado duas fórmulas supostamente secretas relacionadas com o ponto de equilíbrio entre a riqueza das nações e a sua população, mas que afinal não passava de uma adaptação grosseira da receita de bolo de chocolate com açafrão roubada da dispensa de Filomena Saraiva Pontes. 

FeelingLand tornou-se uma cidade fantasma por volta do ano 2023, quando um surto de austerifobia contaminou um cabaz de feelings destinados a promover o investimento em campos de gladíolos nas calotas polares, a fim de enviar uma imagem colorida do Planeta para o espaço. O apartamento dos Rumsfildenskopf pode hoje ser visto no museu de arte sacra de Friburgo, onde se destaca um exaustor para maus feelings, dois retábulos com o Anjo S. Gabriel a fazer um churrasco com S. Jerónimo e S. Agostinho, e um terceiro com Lutero a segurar no espeto e Schumpeter a pôr molho picante nos frangos.

1 comentário:

Anónimo disse...

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