É evidente que a cegueira da avidez, o inebriamento das ideologias e a impiedade das corrupções de vária natureza dão uma explicação satisfatória para as nossas consciências face ao estado do meio que as rodeia. No entanto, corremos o risco de deixar de fora uma variável de incontestável interesse e alcance: a estupidez humana. Conhecida desde que se conhece o homem, amada desde que descobrimos o amor e preservada desde que começámos a pensar ecologicamente, a estupidez humana é a nossa grande companheira de momentos bons e momentos menos bons. Os tempos moderníssimos (que são os tempos que vêm a seguir aos modernos) trouxeram-nos novos tipos de estupidez, dos quais eu destacaria a estupidez esclarecida e a estupidez sábia. A estupidez esclarecida já nos fazia muita falta, pois o mais parecido que até agora possuíamos no nosso património era a estupidez culta, e a versão esclarecida acrescenta-nos a importantíssima componente estatística que antes apenas vislumbrávamos na mediocridade e muito raramente na estupidez, pois esta, no seu formato culto, era muito pouco atreita a algarismos, proporcionadores de sensações únicas, como sabemos. No que concerne à estupidez sábia, trata-se duma evolução de cariz metabólico, nalguns espécimes adquirindo inclusive os contornos de mutação, e introduziu no vasto espectro do comportamento humano o aliciante da compreensão do mundo nas suas componentes mais íntimas, como que um mundo visto pela próstata. A sabedoria logrou adaptar-se aos ambientes mais adversos e encontrou também, qual coelhinho peludo, uma cartola segura na toca da estupidez. O sábio estúpido, também conhecido em linguagem técnica como o estúpido sábio, garante mais sofisticação à estupidez natural e dota-a de referências de saber acumulado ou esquecido - são praticamente sinónimos - ao longo de gerações. Como magnete poderoso a estupidez humana soube atrair a si o melhor que a civilização construiu e constitui hoje a nossa verdadeira reserva antropológica, a arca de noé de todos os nossos talentos. O que outrora foi estigma doravante será inspiração.
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