Mário e o seu Calendário

Hesitava todas as quintas, dissimulava, feito um pintas, sempre na primeira sexta do mês, e na última escrevia meia dúzia de glosas, sentia-se incompreendido às segundas-feiras chuvosas e, horror: dizia sempre uma mentira no dia do senhor; mas era um bocado banana, pensava na morte e em todos os males secundários a meio da semana, jejuava fora dos dias de preceito, mas nunca teve tendência para bater no peito, sentia-se só todos os dias seis, fornicava quando calhava, calhava-lhe always, iam-lhe comer à mãozinha nos dias trinta e um, chamavam-lhe senhor doutor nos sábados de muito calor, e chefe nas quartas de frio, «às terças nunca me rio», desenhava nos fins de semana prolongados, só no natal escutava piedosos recados, nunca desconfiava de ninguém nos dias pares e, dizia-se, guardava a quaresma para os azares, mesmo para os que aparecem de repente; guardava para o carnaval o acinte, numa ou outra sexta achava-se atraente, logo ridículo no sábado seguinte, apreciava conversa mole e revelava-se sempre fluente ao pôr do sol. Aos dias treze dizia: não tenho nada que não mereça. Acordava todas as noites de terça e resumia para si o sonho interrompido, se bem que tenha sonhado sempre sem ajuda de freud nem cupido. Tirando às quartas, em que se apaixonava sempre por duas mulheres bem fartas que encontrava a caminho da missa, vivia desencantado, seduzido apenas pela sua governanta suíça, mulher de boa rês, e que lhe fazia ovos cozidos todos os dias primos do mês. Nunca ames quem não gostes, dizia sempre no dia de Pentecostes.

9 comentários:

Anónimo disse...

«às terças nunca me rio» mas sorrio, sempre

aj disse...

às duas por três
pensa q'é um sorriso
mas ao repetir tanta vez
fará apenas um friso

desculpe, anónimo, saiu-me :)

Anónimo disse...

;) ;) ;) ;) ;) ;) ;)

"Quando completei quinze anos, meu compenetrado padrinho me escreveu uma carta muito, muito séria: tinha até ponto-e-vírgula! Nunca fiquei tão impressionado na minha vida."

aj disse...

credo, tant'olho a piscar,
não é qu'isso m'irrite
mas é q'inda pode apanhar
a porra duma conjuntivite!

blanche disse...

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva toda.


Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos

aj disse...

não sei escrever o que sinto,
as letras ficam presas no peneiro,
mas podes dizer a esse Caeiro
que a escrever sou verdadeiro,
é a sentir que eu minto

desfazedor de rebanhos

Eve disse...

Bonitinho!
Bonitinho!

;)

E

maria disse...

"que a escrever sou verdadeiro,
é a sentir que eu minto"

baralhou-me um poucochinho...mas está uma boa tirada...uma óptima, pronto!

bjs

aj disse...

ora, desbaralha-se rápido! :)

bjs