Gosto cada vez mais de telenovelas. Gosto do ar revisteiro das cenas, gosto da previsibilidade dos enredos, do arrastamento para fazer render o tempo, gosto daquele perfume barato do escândalo primário, dos volte-faces inverosímeis, gosto da repetição das cenas já vistas, gosto do ar postiço, gosto que me digam nem acredito que vejas isso, gosto de separar os bons dos maus, da sensação de história enlatada, gosto de reconciliações com música de fundo, gosto dos bairros a simularem que são do tamanho do mundo, gosto das tentativas falhadas de mostrar o espírito do tempo, dos exageros mal conseguidos, gosto que me digam já te vi a fazer aquela cara, gosto das teorias sobre personalidades fortes e fracas, gosto dos que fazem de paneleiros, gosto de ir beber água a correr para não perder uma cena, gosto do riso fácil, gosto de ficar a pensar que já me fizeram aquilo, gosto de ficar com pena que acabe, gosto de cenas de amor foleiras, de mulheres guerreiras, gosto de confirmar que todos os amores têm barreiras, gosto de me irritar com o mau gosto, gosto daquelas maldadezinhas gratuitas e estúpidas, da canastrice dos actores, das lições de moral, gosto de ir adivinhando as falas, as deixas, os cenários, gosto que me digam és tão parvo, gosto de informar como é que eu teria escrito e feito e dito. Gosto de comentar as falhas do enredo, gosto de me sentir sopeira, patroa, motorista e cornudo, gosto de avaliar os desempenhos, os choros, os trejeitos, as inflexões de voz, já fui até apanhado a comentar vestidos, maquilhagens e penteados, eu que sou especialista em festinhas no cabelo. Um dia ainda hei-de ser apanhado a chorar, prometo. A melhor vacina para nunca vendermos a alma ao diabo é levarmos com pequeninas doses dele embrulhadas em papel de fantasia.
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5 comentários:
Ai que maldade, meu querido amigo! ;)
ó minha querida amiga, então já nem se pode ter gostos simples e puros! :)
Que texto delicioso.
gentileza tua :)
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