Dia de Reis +1

Ora a minha grande questão de índole doutrinal e parapsicológica é: qual será o momento mais certeiro para o exemplar macho da espécie humana começar a contemplar a sua decadência, esmorecimento vá, físico, vá. Ou seja, qual o momento em que isso é dalguma forma inevitável mas ao mesmo tempo, digamos, panglossicamente, saudável. Será algo com data metricamente fixada, como: os 40, os 50, (tentemos agora uma fuga para a frente), os 60; será algo que fique mais ao critério de cada um, como: a famosa meia-idade, a emancipação da prole, a indiferença da vizinha de baixo; estará mais dependente das ingratas circunstâncias, like: depois de ler os últimos livros do Roth (pelo-sim-pelo-não ofereci um a todos os meus amigos para lhes ir preparando a caminha), depois de ver um filho mais que imberbe a ultrapassar-nos numa corrida sem obstáculos, depois de mentir a primeira vez sobre o número das calças; será que está definitiva e liminarmente associado a sinais físicos, culturalmente subjectivos mas fisiologicamente inequívocos: a barriga, o cabelo, a flacidez, a (etc.); será que está associado ao aparecimento daquelas manifestações de senilidade mental mais clássicas: esquecermo-nos de onde estacionámos o carro (estaria oficialmente velho há mais de 30 anos) , esquecermo-nos dos nomes próprios e deformidades de todos os filhos da catarina de médicis (ontem), misturarmos o vasto sortido de passwords que nos acompanha (sempre). Será que é quando? Quando, companheiros (não unidos por qualquer vínculo civil ou militar com ou sem registo), quando? quando é que isso se pode e deve fazer sem dar cabo dos nervos? quando? Procuremos 'Estar bem com o nosso corpo' diz o cliché-boutade; mas ninguém está bem com o seu corpo! Nunca! O corpo é algo que sempre nos atrapalhou, principalmente a quem o usa como fonte de rendimento (ou seja, todos). Gordura, magreza, flacidez, tensão, dor, anestesiamento, aperto, folga. Uma neura. Penso que o verdadeiro momento de viragem para a decadência é quando, assim como quem não quer a coisa, se traz esse maravilhoso assunto para sítios praticamente públicos (aqui). Quando já nem recalcar é suficiente e passamos a ter de fingir pelo método da exposição, quando já tentamos o simulacro de fantasiar que um assunto não nos incomoda nadinha, tanto que até conseguimos falar dele nas calmas, em qualquer circunstância e com qualquer um, seja cara a cara, seja olhando para um ponto fixo numa esquina duma abóbada (que nem tem esquina). A fala é o maior recalcamento, ó Lacan's dum cabrão! Eu estou aqui porque estou careca, michellinico, descolorido (isso pode ser bom em dias de arco-irização do mundo), flácido (sempre mau), soprado, fodasse, eu acho que estou soprado por dentro. Talking cure, o caralho, até já me sinto mais balofo.

13 comentários:

maria disse...

hómessa, mas que abuso de sinceridade é este?

estou em crer que foi por um rasgado elogio que teve ali em baixo.

recomponha-se e faça favor de ser feliz. (já que a felicidade é coisa obrigatória destes tempos pós- qualquer coisa.)

bjs ;)

ps- eu nestas coisas de sinceridade ando muito como a ana cássia:"uma mulher não partilha certas coisas em público. a saber: o masturbar-se e o chorar"

aj disse...

então afinal o homem é mais generoso porque tem essa capacidade de partilhar :)

Anónimo disse...

Cheguei a ler «olhando para um ponto fixo numa esquina duma abóbora»... e disse pª com o meu zipper: "Ora aqui está mais um artista com complexos de Cinderela. Quem será a bruxa má?"

C.

aj disse...

I'm my own witch :p

Anónimo disse...

Sorcerer, maybe... :)

C.

aj disse...

temos tb de abolir as fronteiras de género no mundo da feitiçaria! :)

evanise disse...

Considerando que a alma é imortal, ou não existe, a questão seria a decadencia fisica? Imagino que isso preocupe tanto homens quanto mulheres, mas a natureza é mais generosa com vocês, que amadurecem enquanto a nós, faz murchar. Logo seriamos flores e os homens frutos? De minha parte, munida de um espelhinho de mão, tal como o glifo de Venus, efetuei pormenorizada busca por uma etiqueta que indicasse prazo de validade: além de inventariar algumas dezenas de imperfeições ( que, a distancia algumas flexões em photoshop resolveriam e que, de perto, vestida não se percebe, sem roupa, seriam pormenores secundários)nada encontrei que lembrasse uma etiqueta informando "validade de junho de mil e novecentos e... a tal mes do ano tal..." Entretanto concordo que uma mente lúcida num corpo que se deteriora é um castigo a que todos estamos sujeitos, até porque a opção de morrer jovens já nos escapou.
Sobre a bonita frase de efeito de Ana; "coisas que uma mulher não partilha em público", o que define público? Um outro indivíduo já é publico? Quanto a chorar sozinha, seria triste demais e tornaria totalmente fútil o termo "consolo".

;)

aj disse...

no Brasil não fazem metáforas com o vinho do Porto? :)

maria disse...

antónio,

não retire conclusões apressadas. A generosidade não é cativa de nenhum género. Homens e mulheres podem ser generosos algumas vezes e com algumas pessoas e noutras e com outras serem uns perfeitos sacanas. Mas há o esteriotipo (errado, pois)de que a mulher é mais generosa. é o eras... :)

evanise,

não a quero levar ao engano. fica aqui o link da citação correcta da ana cássia:

http://ana-de-amsterdam.blogspot.com/2010/01/boliqueime.html

o termo consolo é muito lindo, mas um acto solitário também pode ser grande e necessário. De lágrimas ou o que for.

aj disse...

mc,

se não fossem os estereótipos, não sei o q seria de nós :)

evanise disse...

MC

Tenho que concordar que nem só do que faz em público vive uma mulher, felizmente ;)

Grata pelo link, olharei com prazer.

Beijo de Brasil
E

evanise disse...

PS:MC não conduziu-me ao engano, ao contrário intruduziu de forma poética uma prosa menos lírica..."molhar as cuequinhas"(!?), e eu que demorei séculos para acostumar-me com outra metáfora hibérica,"bater castanholas", representando por assim dizer, a prontidão feminina para o ato amoroso, seja com o ser mais amado - selfservice; seja com a inconveniencia do outro.

Releituras às vezes saem melhores que a obra!

;)
Evanise

maria disse...

caríssima evanise,

já não sei bem por que releituras a enviei e que leituras encontrou, mas lá que a vidinha é rica em metáforas não há espécie de dúvidas.

com prontidão um beijo português, ibérico é muita fruta :)