Lobo Antunes anda completamente em brasa. Sousa Tavares e Pulido Valente elegeram-no como espécie de subject of understanding e declararam que ALA nunca tinha criado um único personagem de jeito em toda a sua obra, sendo assim um escritor falhado. (*) Ora ALA não se conforma, e há mais de um mês que se fechou num rés-do-chão ali para os lados da Póvoa de Stº Adrião procurando uma personagem que seja definitiva e que, pelo menos, cale aqueles dois invejosos (entre os mais de dois milhões que nunca conseguiram acabar um livro dele) e autênticas línguas de trapos. ALA, que depois de ‘ter lido um fellatio fabulosamente descrito por Jackie Collins’, ficou incapaz de escrever sobre sexo, e que certamente não esquece que o seu querido Conrad escreveu que ‘as mulheres são alheadas da verdade e vivem num mundo próprio’, pensa estar agora destinado a criar uma singular personagem feminina, uma mulher de excepção que faça esquecer Kareninas e Bovaries, Salomés e Penélopes, mas que ao mesmo tempo saiba fazer um bom lombo de porco assado para o marido quando este chega cansadinho a casa depois de ter pilotado um caça bombardeiro entre Peniche e Tavira, sobrevoando a costa à descoberta de manchas cardúmicas de rodovalho.Quer uma ‘mulher que nunca nos canse’, que nos prenda, ora como uma grande obra de arte, ora como uma obsessão, uma mulher que deixe os leitores furiosos se qualquer outro personagem a beijar. ALA sabia, pelas suas investigações literárias aos mundo das sub-caves da psique, que as mulheres podem ter um fascínio estúpido por homens maus, mas a sua editora tinha-o avisado que no Natal as mulheres perturbadas vendem mal, e ALA suspeitava que o seu sucesso dependia muitos dos Natais. ALA sabia que desta vez tinha de conseguir uma mulher gasta pelo homem, mas verosímil, uma ‘personagem eficaz’ e que não podia sacrificá-la às piruetas quase tipográficas do estilo. Exigia-se agora algum respeito pelos tais ‘leitores preguiçosos’ que precisam de personagenzinhos, como pickles e azeitonas no bitoque. Lá teria outra vez de ir ‘escrever para a mesa da cozinha’. Mesmo sentindo-se incapaz de descrever orgasmos de mulher, evitando-se assim os corpos arqueados, os tremores, e os dedos dos pés retorcidos, iria criar uma daquelas mulheres em ‘que o nosso corpo começa a ir para elas’ quase como que se um homem ‘não tenha medo de ser mulher’. Impossível, todas as mulheres metem medo. Mas só o que mete medo nos pode salvar; só o que arde cura. ALA escrevinha. Escarafuncha. Onde outros apenas veriam um picotado ele vê a carne furada por um cromeleque. No fundo, só uma mulher poderá ser verdadeiramente personagem, um homem nas mãos de um homem seria sempre meio espelho, meio biombo. ALA há um mês que suspira por essa sua mulher-personagem, a tal que terá ali a ‘sensualidade no intervalo entre a luva e o começo da manga’ deixando o leitor sempre no gume e o escritor com o cabo a deslizar-lhe nas mãos. O seu querido subúrbio dá-lhe uma guerra vista pelo lado duns peitos descaídos e dumas unhas mal pintadas. Sobre as mulheres pode-se escrever tudo porque ninguém sabe nada. Nem elas. Leitoras, ALA, pensa sempre nas suas queridas leitoras. ‘Esquecer uma mulher inteligente custa um número incalculável de mulheres estúpidas’ é a frase que lhe lubrifica sempre a imaginação e lhe vai iluminando o caminho. Este caminho arrancado agora a ferros pela dupla: inspirador de telenovelas / historiador de graças de paróquia. Mas a sua mulher não ia ser apenas uma personagem, ia ser um género inteiro, cada minuto seu no enredo seria uma vida completa. Uma história universal da gaja. Ou vos entrará pela mona ou pela antecâmara das tripas. Quando a acabasse, ALA diria nas entrevistas: quase morri para escrever aquilo. No rescaldo, ALA não apresentaria rancores e ainda sobejariam restos de lírica que dariam para 2 personagens de MST no seu próximo romance sobre uma quase-índia que quase-casou com um quase-padre quase-amaro, e mais duas para VPV fazer de amantes de Robespierre na sua história da revolução francesa em cuecas. Depois, já esgotado e saciado, abriria uma banquinha de personagens na feira do relógio com a lacaniana inscrição: Vendo o que não tenho a alguém que não precise.
(*) No entanto ALA já tinha dito numa entrevista a MST há muitos anos que não lhe interessam as personagens, e podem avisar o VPV que as entrevistas do ALA são praticamente o meu Eça de Queirós. O material entre aspas foi precisamente retirado dessas entrevistas.
(*) No entanto ALA já tinha dito numa entrevista a MST há muitos anos que não lhe interessam as personagens, e podem avisar o VPV que as entrevistas do ALA são praticamente o meu Eça de Queirós. O material entre aspas foi precisamente retirado dessas entrevistas.
2 comentários:
Estava aqui a tentar lembrar-me... «os corpos arqueados, os tremores, e os dedos dos pés retorcidos» tem tudo a ver com uma descrição filosófica escutada no Talk Sex de Sue Johanson, não tem?
C.
pois não sei... mas o ALA numa entrevista q deu antes de ir uns tempos para os EUA, disse: «como este é um país de Joyces vou para um país de Harold Robbins»
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