Moonwalk

«Cada terceiro pensamento será a minha sepultura» (*)

A nossa cartomante Miriam a certa altura, - todas as mulheres têm, por assim dizer, certas alturas - teve a tentação de se lançar na assessoria à elaboração de listas eleitorais. A política era algo que lhe surgia muito ligado às forças do cosmos e à ocultação, e onde as cartas poderiam ajudar a desembaraçar certos novelos que, por exemplo, a ambição, o oportunismo, ou a simples burrice acabam por criar. Sabedora de que a arte da política vive muito de momentos e de circunstâncias, Miriam tentou desenvolver um modelo que pudesse ver interagir as pessoas com os lugares, numa espécie de inclusão cruzada de cartomancia toponímica; ou seja, para candidatos de litoral haveria que testar as cartas essencialmente em signos como peixe e caranguejo, em terras lezíricas touros e carneiros, em zonas de estepe leões, nas zonas desertas escorpiões e virgens, e por aí fora. A ideia foi muito bem vendida e praticamente todos os partidos aderiram, mesmo que apresentassem alguma, natural, desconfiança, e receio que o pessoal concorrente das sondagens e do spin-docagem se susceptibilizasse, se bem que a susceptibilidade esteja para a ciência politica como a barba de três dias está para o engate: são facas de dois gumes. Ciente de que estava a pisar terreno minado, Miriam decidiu testar as suas teorias numas eleições locais na Polónia, onde conseguiu que duas balanças protestantes e coxas fossem eleitas para presidentes de junta de freguesia dumas terreolas nos arredores de Katowice, e sem recurso a pagelas de N. Sª do Amparo, apenas com a técnica das tiradas intercaladas de ternos d’oiros. Mas faltava ainda testar os dois elos teóricos que lhe faltavam: se a expectativa de alguma supremacia de signos como balança (o equilíbrio) e carneiro (o rebanho) se confirmava, e se a tendência para a gaffe, a nova estrela da estação, apresentava maior incidência nalgum signo em especial. Neste último caso, o estudo das situações mais evidentes não teria revelado um padrão de sustentada previsibilidade (ex: Pinho – escorpião, Lino – gémeos, Ana Gomes – aquário, José Lello – touro, Carlos Borrego – caranguejo, Braga de Macedo – sagitário, Macário Correia – carneiro) e antes bastante pulverização no espectro zodiacal, - Deus Nosso Senhor terá deixado a coisa bem distribuida - pelo que foi afastada qualquer injunção teórica.
Iniciada a primeira sessão de lançamento de cartas, o caso do PS apontou para caranguejos no litoral e virgens no interior, matizado com gémeos a norte e peixes a sul, capricórnios acima dos 500 m de altitude e carneiros na planície; sendo o PS muito sensível ultimamente a sequências com damas d’oiros, recomendou-se-lhe que evitasse candidaturas femininas em zonas de muita propensão para teias de aranha. Quanto ao PSD as recomendações foram mais simples, evitar, em qualquer situação, os capricórnios (paira a influência de JPPereira, e há os casos paradigmáticos de Valentim e Isaltino), e muito menos listas que os misturasse com escorpiões do norte (como se sabe, os capricórnios são as loiras dos escorpiões), para além disso a sensibilidade do PSD está ultimamente muito acossada nas séries com valetes de paus, que podem fazer alguma sombra à dama de copas, o que será de evitar a todo o custo. Miriam foi convincente a expôr as suas linhas programáticas de escolha de candidatos, e se as cartas lhe serviam para escolher aos seus clientes os melhores dia para foder, ou inclusive para ir jantar a casa dos sogros, a elaboração de listas eleitorais num país de eucaliptos à beira mar plantado parecia-lhe uma brincadeira paras ciganas vesgas em festa de bairro. Mesmo o Bloco de esquerda, que desde o início se mostrou muito renitente com o método da nossa Miriam, não resistiu ao seu encanto quando esta lhes demonstrou que a aposta em Sá Fernandes estava obviamente destinada ao fracasso, face à sua condição de carneiro, que, mais tarde ou mais cedo, encaixaria num rebanho que lhe desse uma guarida mais tranquila. O escorpião Louçã, praticamente de cérebro lavado e transformado num sagitário de cultura, chamou Miriam à parte e disse-lhe: «querida, nas próximas entrego a virgem Drago nas suas mãos e atacamos a presidência à base de carreirinhas com duques d’oiros e quinas de paus».

(*) Shakespeare, em 'A tempestade' (e que também serve de epígrafe ao 'Teatro de Sabbath' de Philip Roth).

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