É a melhor profissão ao cimo da terra, não tenho hoje qualquer dúvida. Grandes filhos da puta. Recuperam lesões, diz-se, dizem. À base das aparentemente inocentes repetição, tensão e alongamento, forçando uns movimentos, evitando outros. Ligam e desligam a seu bel prazer, como se fossem os deuses da prisão e do alívio. Ora vão aplicando cirurgicamente o gelo, ora sabem ir distraindo com os ultra-sons, insatisfeitos em dominar a carne querem dominar o tempo também, fazendo a perseverança trilhar os mesmos caminhos do deboche.
Estão quase sempre muito próximos da paciente (‘da’, sim, é o caso que aqui mais me interessaria discorrer) para que os movimentos possam ser, por si, totalmente controlados, para que quando o músculo, ou o tendão, ou o ligamento estiver a responder, eles possam ouvir e traduzir à paciente, ávida da sua descodificação, ávida do seu olhar e da sua mão. Sacam gemidos como um padre saca salvé-rainhas. As pacientes entregam-lhe por várias semanas ou meses partes importantes do seu corpo - que, como se sabe, levam sempre bocados de alma atrás – e criam uma rara intimidade que se baseia naquela merda de mistura alquímica de paciência, conhecimento e confiança. Há apenas curiosidade quanto baste, os movimentos bruscos estão afastados do contrato, e a união física é absolutamente essencial: o corpo da paciente pertence-lhes tal como um piano pertence ao pianista, num comodato mais forte que a posse.
É oficial: invejo os fisioterapeutas. Parece que estão constantemente a foder sem precisarem de exibir o mais pequeno sinal exterior de luxúria; podem inclusivamente manter aquele clássico ar de carneiro mal morto enquanto seguram no joelho da menina como quem lhe abre as pernas para ver a inflamação na garganta.
Inesperadamente o acto fisioterapeutico nunca foi muito explorado pelos pintores (também eles invejosos com toda a certeza), nem a literatura lhes sugou as metáforas, nem Rodin alguma vez se lembrou de deixar na posteridade da pedra um alongamento de coxa, e isto apenas reforça uma das chaves do seu inigualável poder: passam despercebidos. Colados ao corpo dela, mas despercebidos. Sussurrando. Exigindo correspondência. E obtendo sempre mais. Mas como quem já sabe até onde se chega. Sabendo qual é o ponto de riso e o ponto de choro. Vicioterapeutas. Cabrões.
Estão quase sempre muito próximos da paciente (‘da’, sim, é o caso que aqui mais me interessaria discorrer) para que os movimentos possam ser, por si, totalmente controlados, para que quando o músculo, ou o tendão, ou o ligamento estiver a responder, eles possam ouvir e traduzir à paciente, ávida da sua descodificação, ávida do seu olhar e da sua mão. Sacam gemidos como um padre saca salvé-rainhas. As pacientes entregam-lhe por várias semanas ou meses partes importantes do seu corpo - que, como se sabe, levam sempre bocados de alma atrás – e criam uma rara intimidade que se baseia naquela merda de mistura alquímica de paciência, conhecimento e confiança. Há apenas curiosidade quanto baste, os movimentos bruscos estão afastados do contrato, e a união física é absolutamente essencial: o corpo da paciente pertence-lhes tal como um piano pertence ao pianista, num comodato mais forte que a posse.
É oficial: invejo os fisioterapeutas. Parece que estão constantemente a foder sem precisarem de exibir o mais pequeno sinal exterior de luxúria; podem inclusivamente manter aquele clássico ar de carneiro mal morto enquanto seguram no joelho da menina como quem lhe abre as pernas para ver a inflamação na garganta.
Inesperadamente o acto fisioterapeutico nunca foi muito explorado pelos pintores (também eles invejosos com toda a certeza), nem a literatura lhes sugou as metáforas, nem Rodin alguma vez se lembrou de deixar na posteridade da pedra um alongamento de coxa, e isto apenas reforça uma das chaves do seu inigualável poder: passam despercebidos. Colados ao corpo dela, mas despercebidos. Sussurrando. Exigindo correspondência. E obtendo sempre mais. Mas como quem já sabe até onde se chega. Sabendo qual é o ponto de riso e o ponto de choro. Vicioterapeutas. Cabrões.
2 comentários:
a minha coluna anda a precisar de tratamento. quem sabe...
mais um belo pedaço de prosa. úma delícia mesmo.
beijos
obrigado :), beijos também!
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