‘A vida não é argumento’ [1/9]

Aceitei a minha vocação profissional para falsificador já ia para os dezasseis anos. A primeira experiência de mediano sucesso foi a pintura da quase-cópia dum Mondrian que vendi ao museu municipal de Aix-en-Provence. Na altura a explicação que dei foi que o tinha recebido em herança do meu tio avô, que afinava saxofones e que o tinha obtido como pagamento do próprio artista. O curador do museu era o que agora se chama de gay, mas na altura apenas me pareceu estranho, distraído e dado à exuberância do gesto. O quadro não me teria demorado quase nada a pintar, não fora o tom do encarnado que não me saiu bem à primeira; por falta de experiência, umas vezes aroxeava, noutras alilazava. Com o dinheiro que recebi comprei uma edição dos irmãos karamanzov em segunda mão e levei uma miúda chamada Júlia – também em segunda mão - a jantar a Monte Carlo. Corei três vezes, mas na altura já não tinha tantos problemas com os encarnados. Não me lembro do nome do restaurante, mas sei que, no dia seguinte, ainda tomei banho com ela numa praia a caminho de Nice. Um falsificador não precisa de memória, nem de imaginação. Apenas de muita atenção.

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