Um dois três experiência

Olhar para a religião como algo que serve para dar sentido à vida é tão confrangedor como olhar para ela como fonte de verdade. Em ambos os casos é ir ao engano. Aliás, o cúmulo místico de encontrar consolo na verdade não passa de um número de circo para – sobredotados - malabaristas da alma.

A mensagem cristã é essencialmente uma mensagem de vida, de renovação, de ensinar a experimentar a presença de Deus; quando Jesus diz que é a ‘verdade e a vida’, a primeira parte está lá só para dar algum aspecto retórico de seriedade, ou seja, para abespinhar um bocado mais a rabinada.

A experiência religiosa deve, por isso, afastar-se o mais possível duma luta intelectual, ou, até, duma luta moral e teológica; ou seja, aqui têm mesmo razão os espiritualismos de cordel: o importante é o Amor a Deus.

No entanto, Deus está sabedor de que a experiência religiosa (leia-se: o processo pelo qual o espírito humano se liga com o divino) é uma experiência cultural. (*) Por isso, a maneira de acreditar é estrutural e fundamentalmente adquirida; toujours.

Ora a experiência da certeza tem a mesma raiz da experiência do amor. Assim, o amor é, tal como, e apenas tal como, a fé, um cocktail fodido. Insegurança e entusiasmo, dúvida e generosidade fermentam por aí alegremente em regime de mistela, sem precisar nem de verdades nem de sentidos, apenas exigem estar sempre bem misturadas para que nenhuma se mantenha tempo em excesso ou à superfície ou no fundo.

Da mesma forma que a experiência do genuíno saber científico não precisa da verdade absoluta para nada, a fé – cristã – ensina a olhar para o dogma como o homem olha para as rugas da mulher que ama: já nem podia passar sem elas.

(*) (tal como a ciência, por muito que custe aos cientistas, também é) A ressurreição não terá a mesma leitura por um ocidental ou por um chinoca, tal como, por exemplo, um conceito simples como 50%, ‘metade’, apesar de ser objectivamente sempre a mesma coisa, também não é lido da mesma maneira por um mongol da universidade de Pequim ou por um investigador molecular romeno numa universidade do Minnesota, quando olham para a propagação duma mutação duma célula, ou para a divisão dum núcleo, ou avaliam o grau de satisfação da mulher que amam.

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