As anotações de um picheleiro dos afectos

Caderno 2 – Compêndio de teoria politica para mulheres curiosas

3º capitulo - Chave de grifo

Se no que dizia respeito ao penteado da mulher-política esta devia escolher modelos colocados na mediana do espectro decorativo e evitar as zonas da periferia estética, já no que concerne à personalidade a desenvolver passa-se precisamente o contrário; a mulher que se entregue às mesmas actividades de lellos, narcisos & jerónimos deverá colocar-se na extremidades do estereótipo feminino: ou mulher-sacana, ou mulher-santa. Evitei para já a utilização dos termos bruxa-puta-cabra no primeiro caso e de mamã-avozinha-fada-madrinha no segundo, por estarem demasiado colados a desabafos de teor ero-intimista e peri-freudiano que poderiam desviar-nos do verdadeiro teor científico-experimental deste compêndio.

A primeira e principal razão para esta regra do extremos prende-se com o sentimento comum do cidadão indefeso: «se era para ser uma pessoa normal preferia-se um homem porque o risco era menor». Ou seja, a mulher tem de capitalizar a diferença; como?: exponenciando-a, e colocando-se em zonas onde um macho pareceria ou um frade perdido do mosteiro, ou um carrilho de bárbara menstruada.

Antes de entrar propriamente na caracterização da ‘mulher-sacana’ e da ‘mulher-santa’ devo realçar já um ponto essencial: a fêmea-homnídea-sapiens é o único ser que consegue pendular entre os dois extremos da personalidade mantendo-se a mesma pessoa, na maior das calmas, e sem precisar de tomar qualquer aditivo químico compensatório das funções digestivas ou urinárias (apesar de já terem sido referenciadas uma ou outra alteração ao nível das mucosas íntimas – certamente por falta de Lactacid na Arca de Noé).

Ora, como se deve a mulher fixar correctamente no extremo ‘sacana’ do seu espectro (‘bitch-side’)? Sendo-lhe algo natural, a sua principal preocupação é fazer-se parecer algo ali entre a máxima eficiência e a máxima concentração. Uma espécie dos ‘fins justificam os meios’ na versão ‘elas acabam sempre por levar a água ao seu moinho’. Mas tendo sempre este especialíssimo cuidado: a mulher-política nunca deve dar ares de ser providencial, a sociedade só está preparada para machos iluminados, e a verdade ao ser transmitida por algum canal especial a uma mulher seria sempre entendida como sendo pela via da bruxaria. Um efeito secundário da utilização em excesso desta zona extremo do estereótipo é o risco de enfeitiçamento: a mulher-política-bruxa que enverede pelo enfeitiçamento do povo que lhe caiu de turno no caldeirão acabará sempre por beber do próprio veneno. O homem aprecia ser levado que nem um patinho submisso mas geralmente os feitiços acabam por maçá-lo.

No outro lado desta festa encontra-se a mulher-santa (‘mummy side’). Esse cadinho mágico de bondade, compreensão, generosidade, carinho e maternalidade geralmente é trabalhado pela mulher com autêntica mestria. No entanto, certos autores estão convencidos de que esta outra borda da travessa temperamental apenas é experimentada pela mulher politica para aliviar de tempos a tempos da outra, por mero imperativo da deusa da sonsice e por algum receio que o excesso de sacanice lhe faça algum mal à pele. Feita esta ressalva teórica importa destacar a magnífica utilização que a mulher consegue fazer neste domínio com as técnicas da gestão de expectativas, ou seja, a mulher-política sabe com precisão cirúrgica que o homem há momentos em que entrega tudo com confiança ilimitada a uma mulher-mãezinha; e nesses momentos ela tem de estar lá a representar esse papel, e com todo o arsenal preparado: colinho, historinha de embalar e maminha tesa. Homem frustado é, as we all know, como pila em caldo gelado, guerreiro abandonado pelo ferreiro.


Não ficaria bem, no entanto, deixar este capítulo minguado duma nota final. A capacidade de translação da mulher em torno destes dois focos ‘mamã-cabra’ é uma gestão difícil e só funciona na perfeição com homens de inocência galáctica. É por isso que as mulheres-políticas são as mais indicadas para os povos de génios distraídos, ou de parvos.

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