As anotações de um picheleiro dos afectos

Caderno 1 - Tratado de educação sentimental para homens bons

4º capitulo - Candela romana

Depois do último desvio epistemológico pelas veredas do ciúme e da posse, regresso para tratar dum problema estrutural da relação sentimental-amorosa: a maturidade afectiva do homem bom. Trata-se dum típico ‘conceito-atlântida’, ou seja, fala-se muito dela mas parece que não existe. Afectivamente o homem de boa índole é eternamente um aprendiz amoroso, mas é apenas a mulher que tem essa plena consciência desde o primeiro momento. O homem, bem flatulado na sua ignorância, cinco segundos depois de receber o primeiro beijo de volta sente-se mais poderoso do que um general de Alexandre; contudo, a mulher, detentora dos meios de exploração sentimental, se numa primeira fase o deixa alimentar essa ilusão, posteriormente aplica em doses rigorosas a receita da austeridade quando ele menos espera; fá-lo assim compreender, pela via abstémica, que o amor de uma mulher é um bem muito escasso e volátil, mas que o capricho é superabundante, pelo que o homem vai construindo a imagem da mulher-como-fatalidade.

A maturidade sentimental masculina é assim construída num ambiente adverso, misturando fluidos, palavras e olhares, sem os entender nem em separado quanto mais por junto, como se fosse um canarinho a construir o ninho com os raminhos a serem fornecidos pelo gato.

A mulher-fatalidade tornou-se então o verdadeiro objecto do desejo do homem bom e maduro. No entanto, quando seria de esperar um comportamento condizente da sua parte, relativizando e enquadrando as reacções da fêmea-fatal, pagando apenas o que tinha de pagar, é quando, inesperadamente, o homem começa a canalizar na mulher as suas ansiedades de natureza mais metasensual, tornando-a mulher-confidente. No fundo, ele que já lhe tinha dado o coração e depois a pila (a ordem é arbitrária), agora deixa que ela faça um escabeche com aquilo tudo.


É por isso que se associa também esta fase de suposta maturidade ao conceito clássico de homem-banana, que chega a publicamente assumir que foi uma bênção esta grande mulher que sempre o acompanhou nos momentos difíceis, e lhe espremeu borbulhas nas costas, que inclusivamente podiam ter infectado. Ou seja, o homem já percebeu no buraco onde se meteu mas agora tem de transmitir para o exterior que foi tudo planeado. É esta a sua verdadeira maturidade-afectiva.

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