De volta ao ripipilo
Quando entregasse a alma ao criador e a carne aos vermes o seu espólio seria definitivamente doado ao Museu do Narcisismo. Entretanto preparar-se-iam exposições temporárias com as suas poses em fotografias tipo passe tiradas numa loja da rua da Estefânia, e num catálogo raisonée reunir-se-iam todas as suas frases de auto vangloriação, ilustradas com perfis em aguarela duma cunhada que fazia frisos para molheiras da Vista Alegre.
De qualquer modo tinha tudo alinhavado para estar presente no dia da inauguração do auditório para hologramas, com o seu nome gravado numa chapa de 30x40, mas uma arreliadora fistula retirou-lhe esse prazer e passou o serão a ganir enquanto lhe lancetavam o, digamos, o cu.
Era contudo um rabo narcísico e imediatamente pensou numa série de fotogramas baseados na sua nádega esquerda que tinha sido enormemente gabada por uma enfermeira moldava, se bem que em surdina, contudo, qualquer narcísico profissional tem ouvido de tísico.
Uma nádega de macho desirmanada passava por ser um tema controverso, mas a sua autoconfiança acabou por convencer, e inclusive deslumbrar, toda a gente. Arrancou assim uma instalação dedicada ao tema em apreço, intitulada: entre a ‘fistula e o selim’, numa também velada homenagem aos seus tempos de ciclista especialista em contra-relógios a descer.
Inesperadamente foi um êxito. Peidola de narciso não era um tema muito explorado e desde uma caixa de sapatos com furinhos atravessada por uma trança de cebolas de Rauschenberg que não era visto tanto consenso entre a crítica especializada. A comunidade gay insurgiu-se pela falta da outra nádega, especulando sobre um fenómeno de peidofobia, mas isso ainda serviu para acicatar mais a curiosidade, chegando Saramago a lançar um livro em que a sociedade era assolada por um vírus que selava o olho do cu a todos; «uma merda total» comentou Lobo Antunes, mas isto é um à parte.
O museu foi cimentando a sua fama vanguardista, e uma nova sala de espelhos foi inaugurada para potenciar o efeito narcísico do singular semi-rabo pós-fistular, tendo inclusivamente sido feita uma réplica da nádega direita com gesso decorado em tromp d’oeil.
Já a sala dos ecos se mostrou de sucesso mais periclitante, mas para tal pode ter contribuído a arrojada aposta num trecho de Eric Satie em formato de assobio de rouxinol como som ambiente. Só que ele tinha feito muita questão: dizia possuir um ripipilar d’anjo. Bochechudo, inclusive.
Quando entregasse a alma ao criador e a carne aos vermes o seu espólio seria definitivamente doado ao Museu do Narcisismo. Entretanto preparar-se-iam exposições temporárias com as suas poses em fotografias tipo passe tiradas numa loja da rua da Estefânia, e num catálogo raisonée reunir-se-iam todas as suas frases de auto vangloriação, ilustradas com perfis em aguarela duma cunhada que fazia frisos para molheiras da Vista Alegre.
De qualquer modo tinha tudo alinhavado para estar presente no dia da inauguração do auditório para hologramas, com o seu nome gravado numa chapa de 30x40, mas uma arreliadora fistula retirou-lhe esse prazer e passou o serão a ganir enquanto lhe lancetavam o, digamos, o cu.
Era contudo um rabo narcísico e imediatamente pensou numa série de fotogramas baseados na sua nádega esquerda que tinha sido enormemente gabada por uma enfermeira moldava, se bem que em surdina, contudo, qualquer narcísico profissional tem ouvido de tísico.
Uma nádega de macho desirmanada passava por ser um tema controverso, mas a sua autoconfiança acabou por convencer, e inclusive deslumbrar, toda a gente. Arrancou assim uma instalação dedicada ao tema em apreço, intitulada: entre a ‘fistula e o selim’, numa também velada homenagem aos seus tempos de ciclista especialista em contra-relógios a descer.
Inesperadamente foi um êxito. Peidola de narciso não era um tema muito explorado e desde uma caixa de sapatos com furinhos atravessada por uma trança de cebolas de Rauschenberg que não era visto tanto consenso entre a crítica especializada. A comunidade gay insurgiu-se pela falta da outra nádega, especulando sobre um fenómeno de peidofobia, mas isso ainda serviu para acicatar mais a curiosidade, chegando Saramago a lançar um livro em que a sociedade era assolada por um vírus que selava o olho do cu a todos; «uma merda total» comentou Lobo Antunes, mas isto é um à parte.
O museu foi cimentando a sua fama vanguardista, e uma nova sala de espelhos foi inaugurada para potenciar o efeito narcísico do singular semi-rabo pós-fistular, tendo inclusivamente sido feita uma réplica da nádega direita com gesso decorado em tromp d’oeil.
Já a sala dos ecos se mostrou de sucesso mais periclitante, mas para tal pode ter contribuído a arrojada aposta num trecho de Eric Satie em formato de assobio de rouxinol como som ambiente. Só que ele tinha feito muita questão: dizia possuir um ripipilar d’anjo. Bochechudo, inclusive.
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