Procuro apenas uma nota de pé de página de Hume para explicar esta época da lagartada. (1)
«Os indivíduos que filosofam actualmente têm de, antes de mais nada, e ainda que queiram articular estados místicos em sua causa, aprender a falar sobriamente sobre o êxtase, isto é, a levar adiante uma biologia dos estados excepcionais no âmbito de uma física geral do conhecimento» , Sloter, Sloterdijk para a malta amiga, pg 79
Adozinda da Silva foi uma filósofa portuguesa dos finais do sec xviii que, ou por ser mulher ou por ser Adozinda, viu relegada para o esquecimento a sua original teoria dos estados excepcionais. Influenciada por um obscuro pensador francês de nome Phillipe Chartres - ostracizado pelos seus pares porque nascera em Reims – que introduzira o tema da pulsão do êxtase quando Decartes tinha começado a fazer furor com o seu racionalismo filigranado, Adozinda incorporou na seu pensamento a ideia de que todos somos seres de excepção, mas, como somos muitos, a excepção torna-se muito parecida com a normalidade. Todavia, com uma mentalidade reinante ainda embebida do barroco tardio, um raciocínio tão límpido, e ao mesmo tempo tão desmistificador do dogma empirista em ascensão, pouco mais poderia almejar do que duas ou três referências num livro de culinária editado pela sacristia de Tibães dedicado à pelicula queimada do leite creme. A sobriedade com que Adozinda abordava a excelência do espírito liberto das insinuações da carne, sem enveredar pelo facilidade do paradigma místico, era realmente inovador, e não fora um padeiro em Sangalhos se ter interessado pela sua forma de descrever a alma como um enfarinhado com um ligeiro travo a erva doce, e hoje Adozinda não passaria duma mera professora de francês para filhos da corporação de correeiros de Oliveira do Bairro. Adozinda, sem se deixar «surpreender em flagrante delito metafísico», (2) realçou firmemente - mas sem o histerismo anti-positivista - o carácter ascendente da alma em relação ao destino último e, sem perder tempo com prefigurações aristotélicas, remeteu o ser para a sua real e natural condição de ausência de pachorra para essências, nem que cheirassem a alecrim. Abordando Nietzsche mesmo antes de este andar sequer aos pulos de colhão em colhão, Adozinda da Silva explorou a capacidade de autofermentação da natureza humana, realizando finalmente, se bem que desconhecendo ainda o genoma do malmequer, que o homem não é flor que se cheire; ou, melhor dizendo, como Sloterdijk repescaria do subterrâneo de Dostoievski: é um «animal bípede ingrato». Após uma vida apagada, jaz na Mealhada, numa vala incomum.
(1) kant já procurei, não tem
(2) vide Sloterdijk pág 103, obra supracitada
«Os indivíduos que filosofam actualmente têm de, antes de mais nada, e ainda que queiram articular estados místicos em sua causa, aprender a falar sobriamente sobre o êxtase, isto é, a levar adiante uma biologia dos estados excepcionais no âmbito de uma física geral do conhecimento» , Sloter, Sloterdijk para a malta amiga, pg 79
Adozinda da Silva foi uma filósofa portuguesa dos finais do sec xviii que, ou por ser mulher ou por ser Adozinda, viu relegada para o esquecimento a sua original teoria dos estados excepcionais. Influenciada por um obscuro pensador francês de nome Phillipe Chartres - ostracizado pelos seus pares porque nascera em Reims – que introduzira o tema da pulsão do êxtase quando Decartes tinha começado a fazer furor com o seu racionalismo filigranado, Adozinda incorporou na seu pensamento a ideia de que todos somos seres de excepção, mas, como somos muitos, a excepção torna-se muito parecida com a normalidade. Todavia, com uma mentalidade reinante ainda embebida do barroco tardio, um raciocínio tão límpido, e ao mesmo tempo tão desmistificador do dogma empirista em ascensão, pouco mais poderia almejar do que duas ou três referências num livro de culinária editado pela sacristia de Tibães dedicado à pelicula queimada do leite creme. A sobriedade com que Adozinda abordava a excelência do espírito liberto das insinuações da carne, sem enveredar pelo facilidade do paradigma místico, era realmente inovador, e não fora um padeiro em Sangalhos se ter interessado pela sua forma de descrever a alma como um enfarinhado com um ligeiro travo a erva doce, e hoje Adozinda não passaria duma mera professora de francês para filhos da corporação de correeiros de Oliveira do Bairro. Adozinda, sem se deixar «surpreender em flagrante delito metafísico», (2) realçou firmemente - mas sem o histerismo anti-positivista - o carácter ascendente da alma em relação ao destino último e, sem perder tempo com prefigurações aristotélicas, remeteu o ser para a sua real e natural condição de ausência de pachorra para essências, nem que cheirassem a alecrim. Abordando Nietzsche mesmo antes de este andar sequer aos pulos de colhão em colhão, Adozinda da Silva explorou a capacidade de autofermentação da natureza humana, realizando finalmente, se bem que desconhecendo ainda o genoma do malmequer, que o homem não é flor que se cheire; ou, melhor dizendo, como Sloterdijk repescaria do subterrâneo de Dostoievski: é um «animal bípede ingrato». Após uma vida apagada, jaz na Mealhada, numa vala incomum.
(1) kant já procurei, não tem
(2) vide Sloterdijk pág 103, obra supracitada
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