Uma Páscoa fashion pela vossa rica saúde


Num dos filmes ligeiros da saison, feito para senhoras se rirem no intervalo das suas apoquentações com as miudezas do metabolismo, numa cena medianamente conseguida uma psicoteraputa empresta o vestido a uma amiga e, de caminho, afirma ter sido a primeira vez em que, de facto, tinha ajudado alguém na vida.

O ‘ser humano’ é basicamente uma espécie que precisa de ajuda porque não foi feita para ambientes hostis e, como não consegue ser bem treinada para animal de companhia, tem frequentemente de se socorrer de alguns espécimes que se especializam nesta nobre função de ajudar os outros, dignificando-se mutuamente de bónus.

Um dos pensadores da moda – Roger Scruton – disse que uma das mais importantes tarefas da filosofia nos tempos modernos é ‘colocar no lugar do sarcasmo que enuncia sermos meramente uns animais, a ironia que mostra não o sermos de facto’, resgatando o homem à trivializadora ciência, e investindo na ressurreição da ‘pessoa humana’.

É evidente que o conceito de ‘pessoa humana’ tem sido mais banalizado que a capacidade dos lagartos criarem os melhores extremos de futebol do mundo, ou da universidade independente parir engenheiros civis, no entanto, é na sua sacralização que reside o verdadeiro negócio.

Se reparamos bem, uma das mensagens fundadoras do Cristianismo é precisamente a de que o homem não vale um caracol a não ser pelo facto do Criador se ter interessando por ele no momento em que viu nesse mamífero emproado pela via da mutação genética, alguém que dificilmente sobreviveria aos ataques de gafanhotos, sábios, lampiões e princesas egípcias.

A ‘pessoa humana’ é, então, uma segmentação desse mercado mais vasto, que se poderia denominar de ‘o pessoal’, e que se caracteriza por possuir necessidades específicas ao nível da definição do ‘eu’ e da concretização do ‘meu’. Trata-se duma criatura carente, que se destaca igualmente dentro de ‘o pessoal’ por ter constantemente algo por satisfazer mas preferir que sejam outros – de que espécie, material ou semiótica forem - a tratar desse assunto

A ciência tem efectivamente procurado trivializar este pedaço de código genético envolto em secreções, e faz ela muito bem, já a minha avó fazia o mesmo com a baba de camelo. Mas ela – a ciência -sabe bem que, depois da redução à molécula e da redução ao absurdo, a ‘pessoa humana’ pouco mais servirá que para alimentar ilusões sobre um mero estado na natureza que o marketing psico-social sofisticou à base de paleio e estatísticas.

Cada vez mais somos, isso sim, um estado da natureza, ao qual, para se lhe dar a mão, como demonstrava o filme, o melhor que se lhe pode fazer é vesti-lo com uma roupinha decente, mantê-lo entretido com as montras da desgraça alheia, saltando do sarcasmo para a ironia e da ironia para o sarcasmo, e tentar aguentar assim babados até ao juízo final.

Deus redimiu-nos também um pouco para manter as aparências.

(isto ficou horrível, credo)

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