‘Cash against documents’
Pensava ele. Ele pensava que se pagasse antecipadamente, e tudo direitinho, sem notas marcadas, haveria de ser bem servido – e haveriam de gostar mais dele. Fiava-se naquela conversa fiada de que não há almoços grátis – não alcançava que tudo nos é, no limite, absurdamente gratuito - e gostava de se mostrar arrogante, senhor de si, na hora de pagar; por isso pagava sempre antes, obstinadamente antes, imolando-se no culto da antecipação (tinham-lhe dito isso, sem que ele o tivesse compreendido). Sentia que a dívida, por mais ténue e escrupulosa que fosse, lhe sujava as mãos, e vivia de beiços lambidos nesse provincianismo financeiro de boas contas. Um dia disseram-lhe «se me pagas antes não tenho vontade de te vender nada». Pensou que era uma artimanha para lhe levarem mais dinheiro, um bluff de cartilha. Riu-se, e anuiu com aquela condescendência que pretende demonstrar situação controlada & segurança ilimitada. Mas passaram-lhe a perna e ele não sentiu nada; quando foi para pagar já só tinha o dinheiro e tinham desaparecido os documentos. Enervou-se. Sabia-se levado pela fórmula explosiva’ orgulho ao quadrado + logaritmo do desejo = integral da fraqueza’. Constatou-se, dorido, personagem mal definida, qual nobre rural queirosiano passando um dia em paris com beckett e acabando a tarde a tomar um chazinho com uma escanzelada que servira de modelo a um impressionista qualquer e que lhe declamava valery com cognaque. Ficou, desconsolado, a olhar para o dinheiro, com as palavras na boca e a goela a arder. Agora tinha de comprar novos documentos. Mas inesperadamente tinha aprendido, entre coxas, no meio dos gemidos falseados e da borracha a deslizar, que, sem o espartilho das boas contas, ele seria quem ele quisesse. A identidade é a única coisa que se deve dar como forma de pré-pagamento porque amanhã podemos ser quem quisermos. Pensava ele.
Pensava ele. Ele pensava que se pagasse antecipadamente, e tudo direitinho, sem notas marcadas, haveria de ser bem servido – e haveriam de gostar mais dele. Fiava-se naquela conversa fiada de que não há almoços grátis – não alcançava que tudo nos é, no limite, absurdamente gratuito - e gostava de se mostrar arrogante, senhor de si, na hora de pagar; por isso pagava sempre antes, obstinadamente antes, imolando-se no culto da antecipação (tinham-lhe dito isso, sem que ele o tivesse compreendido). Sentia que a dívida, por mais ténue e escrupulosa que fosse, lhe sujava as mãos, e vivia de beiços lambidos nesse provincianismo financeiro de boas contas. Um dia disseram-lhe «se me pagas antes não tenho vontade de te vender nada». Pensou que era uma artimanha para lhe levarem mais dinheiro, um bluff de cartilha. Riu-se, e anuiu com aquela condescendência que pretende demonstrar situação controlada & segurança ilimitada. Mas passaram-lhe a perna e ele não sentiu nada; quando foi para pagar já só tinha o dinheiro e tinham desaparecido os documentos. Enervou-se. Sabia-se levado pela fórmula explosiva’ orgulho ao quadrado + logaritmo do desejo = integral da fraqueza’. Constatou-se, dorido, personagem mal definida, qual nobre rural queirosiano passando um dia em paris com beckett e acabando a tarde a tomar um chazinho com uma escanzelada que servira de modelo a um impressionista qualquer e que lhe declamava valery com cognaque. Ficou, desconsolado, a olhar para o dinheiro, com as palavras na boca e a goela a arder. Agora tinha de comprar novos documentos. Mas inesperadamente tinha aprendido, entre coxas, no meio dos gemidos falseados e da borracha a deslizar, que, sem o espartilho das boas contas, ele seria quem ele quisesse. A identidade é a única coisa que se deve dar como forma de pré-pagamento porque amanhã podemos ser quem quisermos. Pensava ele.
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