Anotações de Teodora no "sonoro"

[Boca de cena com rio ao fundo: Cofiando a barba de três dias, o Autor reclina-se na chaise-a-longada qual odalisco entre lençóis, à cabeceira há páginas geni(t)ais de cultura universal porque alguém na redacção da Sábado terá descoberto, sabe-se lá como, que a maior parte das mulheres anda insatisfeita com o desempenho dos respectivos parceiros sexuais. A juvenil loira Daisy Milho, de uniforme branco mail'os piercings para garantia do cliché completo, tenta distrair-lhe o olhar do banquete de "prazeres" que traz à mão. De óculos na ponta do nariz, Teodora senta-se, acariciando a Rotring preta entre os dedos, na beira de uma cadeira anónima forrada a azul renteza meia com a chaise; em estenografia saltitante regista, nas costas do programa amarrotado d'"A Colher de Samuel Beckett", o desempenho sussurrante, ou por outra, as palavras bebidas do Mestre de mais uns dias que de outros já que nem o tuteia nem lhe chama James todos os dias.]

Contributos para uma tipologia da cólica

Existem três tipos de cólicas intestinais que inesperadamente correspondem a três grandes tipos de pessoas:

1º tipo - cólicas de tipo tectónico - cada parte do intestino tenta encontrar o seu melhor lugar, o seu poiso mais sossegado, a sua esquina mais relaxada, o seu divertículo ao sol e isso faz parte da sobrevivência do intestino. Existem, por isso, também esses tipos de pessoas, são as que têm de existir, as que se encaixam na nossa vidinha para que as coisas funcionem, como o padeiro, o homem das finanças, o homem que arranja os electrodomésticos, o homem da loja de fotografias. Às vezes temos alguns dissabores com estas pessoas mas isso faz parte da vida em sociedade: uma fagulha no olho, um pingo de solda que acerta ao lado ou uma ligação à terra mal feita.

(emenda-se, não se emenda? bah, fica, com 38,5 saíam coisas mais giras, assim com 36,5 não dá para mais)

2º tipo - cólicas produtivas - são as que, essas sim, fazem com que efectivamente o corpo se dê ao manifesto, que algo se aproveite delas, de que o corpo tire partido da dor e que no fim algo de substancial fique. São as que se realizam pela evacuação. Da mesma maneira existem pessoas que, de facto, são as que trazem valor acrescentado à nossa vida, as pessoas que são família, os amigos, os que nos trazem bons negócios, as que fazem coro connosco a achincalhar lampiões depois de lhe dar três secos, as que nos animam uma viagem ou um bom jantar.

(ficou chocha esta, o que eu queria aqui era o meu pc e não uma marmanja de perna traçada armada em secretária)

Finalmente existe o

3º tipo - cólicas que só servem para nos foder (ora deixa-me lá ver se ela é capaz de escrever isto sem erros) - são o tipo de cólicas que um tipo realmente não sabe para que existem senão para o mero fenómeno de nos provocar uma dor do... do... catarino (não, minha senhora, não é a do feijão mas não adianta especificar mais). Da mesma maneira também existem este tipo de pessoas que não nos servem rigorosamente para nada, árbitros que marcam penalties contra lagartos, gajos que servem mal uma meia de leite, recepcionistas de trombas etc. e que, vai-se a ver, passam por nós sem qualquer outra utilidade que não seja a de nos terem causado um conjuntinho (inútil) de dissabores.

Mas todas são cólicas e todas são gente.

[Ao cair o pano na nódoa: Teodora, reparando melhor no comprimento da saia e inclinação de busto de uma Daisy Milho obviamente condoída com as contracções dolorosas que adivinha no Mestre, risca o nariz ao amparar com a Rotring 'uma furtiva lágrima' e descruza a perna entalando, em local seguro mas muito ao de leve, uma borboleta do cateter rastejante. O Autor agasta-se com um mundo de gente que não compreende a sua necessidade gonçalmtavariana de uma colher como a do Beckett para mexer o cházinho d'ervas anti-espasmódico e promete, como vingança, ir ao barbeiro.]

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