o exercício do imprevisto, "o erro de Narciso" (*) e o tempo
"Há uma emoção que é inseparável do encontro com qualquer homem que nos surge no caminho".
Esta citação de Lavelle, uma das quatro escolhidas por Cesare Pavese para assinalar o dia 9 de Outubro de 1939 no seu "Ofício de Viver", evoca o erro que constitui o desejo de apropriação, de captura, daquilo (ou daqueles) a quem se dedica o que designarei por amor-paixão: o erro de Narciso.
No contexto relacional o erro de Narciso pode ser entendido como o desejo (necessidade?) de alguma coisa que seja um complemento de nós mesmos, numa espécie de ilusão em que se acredita que o que se capturar alimentará, de alguma forma obscura, a nossa sede de absoluto. E no entanto será, isso sim e apenas, a raiz de todos os fracassos porque o aborrecimento e a insatisfação estão associados a todas as acções de captura como muito bem o sabem os caçadores na sua obsessão com a 'ausência do novo'.
Contra esta insatisfação, à semelhança do caçador, o homem comum recorre a duas formas comuns de luta: o viver de esperança em esperança, condenado à partida por ser uma genuína e imparável fuga para a frente ao presente, e a aceitação da mediocridade, a coabitação com o inefável 'é-a-vidismo' dissimulado atrás de pequenas alegrias quotidianas que acabam por dissuadir da possibilidade da felicidade.
O que resta então à procura de sentido que é o combate à insatisfação e ao aborrecimento atrás referidos? Muito, seguramente. O amor, por exemplo. Entendido como o movimento da dádiva em que um ser humano se oferece sendo simultaneamente objecto e causa da oferta, no qual, ao ser capaz da humildade de se despir da fachada opaca e impermeável de uma personagem, dá o coração que, mais ou menos "musculado" e compreendido ou incompreendido por quanto consegue dizer, será sempre a verdade vulnerável do que se é. E esta é uma luta - e um jogo - de cuja decisão de ganhar ou perder dependerá o essencial: tranformar a captura em dádiva, o 'estar com' em 'estar para'. Todos os dias, com teimosia se fôr necessário. Para além da usura do tempo.
(*) Louis Lavelle - L'Erreur de Narcisse, Table Ronde, 2003
"Há uma emoção que é inseparável do encontro com qualquer homem que nos surge no caminho".
Esta citação de Lavelle, uma das quatro escolhidas por Cesare Pavese para assinalar o dia 9 de Outubro de 1939 no seu "Ofício de Viver", evoca o erro que constitui o desejo de apropriação, de captura, daquilo (ou daqueles) a quem se dedica o que designarei por amor-paixão: o erro de Narciso.
No contexto relacional o erro de Narciso pode ser entendido como o desejo (necessidade?) de alguma coisa que seja um complemento de nós mesmos, numa espécie de ilusão em que se acredita que o que se capturar alimentará, de alguma forma obscura, a nossa sede de absoluto. E no entanto será, isso sim e apenas, a raiz de todos os fracassos porque o aborrecimento e a insatisfação estão associados a todas as acções de captura como muito bem o sabem os caçadores na sua obsessão com a 'ausência do novo'.
Contra esta insatisfação, à semelhança do caçador, o homem comum recorre a duas formas comuns de luta: o viver de esperança em esperança, condenado à partida por ser uma genuína e imparável fuga para a frente ao presente, e a aceitação da mediocridade, a coabitação com o inefável 'é-a-vidismo' dissimulado atrás de pequenas alegrias quotidianas que acabam por dissuadir da possibilidade da felicidade.
O que resta então à procura de sentido que é o combate à insatisfação e ao aborrecimento atrás referidos? Muito, seguramente. O amor, por exemplo. Entendido como o movimento da dádiva em que um ser humano se oferece sendo simultaneamente objecto e causa da oferta, no qual, ao ser capaz da humildade de se despir da fachada opaca e impermeável de uma personagem, dá o coração que, mais ou menos "musculado" e compreendido ou incompreendido por quanto consegue dizer, será sempre a verdade vulnerável do que se é. E esta é uma luta - e um jogo - de cuja decisão de ganhar ou perder dependerá o essencial: tranformar a captura em dádiva, o 'estar com' em 'estar para'. Todos os dias, com teimosia se fôr necessário. Para além da usura do tempo.
(*) Louis Lavelle - L'Erreur de Narcisse, Table Ronde, 2003
Sem comentários:
Enviar um comentário