Conto duma mulher a dois tempos
Helena não era de Tróia mas sabia-se encurralada num coração palpitante e julgava-se com direito a ser resgatada por uma paixão ardente e descompensada. Podia ser das ditas platónicas, poderia ser daquelas de rotativo quarto de hotel, podia ser com alguém de apelido conhecido, podia ser com um Zé-ninguém. Pensava mesmo que uma mulher que não tivesse ainda deixado um homem a bater com a cabeça nas paredes, a andar com um olhar distante e a dizer parvoíces sem sentido era sinal de que tinha passado ao lado da sua condição hormonico-cromossómica. Tinha mails para responder, mensagens para dar vazão, chamadas para retribuir, tinha pendentes daquelas promessas de combinações feitas para despachar expediente, mas era tudo com homens que apenas lhe poderiam dar segurança, apenas lhe poderiam dar uma vida boa, apenas lhe poderiam dar filhos, apenas lhe poderiam dar um carinho contratado, e isso parecia-lhe ser mais ou menos como ela tinha aprendido na sua vida: um mau negócio faz-se quando quisermos. Ela sabia que só seria mulher quando um dia visse alguém a perder o emprego por ela, a esquecer-se de pagar a água por causa dela, a perder estupidamente amigos por causa dela, a mentir a sério por causa dela, a mudar o penteado por causa dela, a vestir-se ridiculamente por causa dela, a estoirar dinheiro em floristas por causa dela, a escapar-se para uma matiné por causa dela, a falar baixinho com ela para que ninguém se apercebesse do uso descabido de tanto diminutivo. Ela sabia que só descansaria depois de ter visto alguém passar por isso à conta dela. E ela calculava que depois de dar uma golpada dessas então já poderia viver sem complexos um amor estúpido, serenamente, com alguém contratável, em que as coisas mais ridiculamente empolgantes que fariam seria dormirem na mesma cama, terem o mesmo gerente de conta, negociarem sobremesas, e, nos melhores dias, escolherem uma boa combinação de batôn e verniz enquanto conversavam sobre a mesada dos filhos. Chegaram a falar-lhe dum tal de meio termo, do desafio da normalidade, do encanto duma tal de vida a dois, mas ela não ficou convencida, pareceu-lhe demasiado logístico, demasiado fácil. Continuava mais disponível para o tal esquema a dois tempos, e ninguém lhe tirava da cabeça: mulher que se prezasse haveria de já ter posto um homem a dar em maluco, mas maluco mesmo, daqueles de sacar olhos arregalados e risos de esguelha à assistência.
Helena não era de Tróia mas sabia-se encurralada num coração palpitante e julgava-se com direito a ser resgatada por uma paixão ardente e descompensada. Podia ser das ditas platónicas, poderia ser daquelas de rotativo quarto de hotel, podia ser com alguém de apelido conhecido, podia ser com um Zé-ninguém. Pensava mesmo que uma mulher que não tivesse ainda deixado um homem a bater com a cabeça nas paredes, a andar com um olhar distante e a dizer parvoíces sem sentido era sinal de que tinha passado ao lado da sua condição hormonico-cromossómica. Tinha mails para responder, mensagens para dar vazão, chamadas para retribuir, tinha pendentes daquelas promessas de combinações feitas para despachar expediente, mas era tudo com homens que apenas lhe poderiam dar segurança, apenas lhe poderiam dar uma vida boa, apenas lhe poderiam dar filhos, apenas lhe poderiam dar um carinho contratado, e isso parecia-lhe ser mais ou menos como ela tinha aprendido na sua vida: um mau negócio faz-se quando quisermos. Ela sabia que só seria mulher quando um dia visse alguém a perder o emprego por ela, a esquecer-se de pagar a água por causa dela, a perder estupidamente amigos por causa dela, a mentir a sério por causa dela, a mudar o penteado por causa dela, a vestir-se ridiculamente por causa dela, a estoirar dinheiro em floristas por causa dela, a escapar-se para uma matiné por causa dela, a falar baixinho com ela para que ninguém se apercebesse do uso descabido de tanto diminutivo. Ela sabia que só descansaria depois de ter visto alguém passar por isso à conta dela. E ela calculava que depois de dar uma golpada dessas então já poderia viver sem complexos um amor estúpido, serenamente, com alguém contratável, em que as coisas mais ridiculamente empolgantes que fariam seria dormirem na mesma cama, terem o mesmo gerente de conta, negociarem sobremesas, e, nos melhores dias, escolherem uma boa combinação de batôn e verniz enquanto conversavam sobre a mesada dos filhos. Chegaram a falar-lhe dum tal de meio termo, do desafio da normalidade, do encanto duma tal de vida a dois, mas ela não ficou convencida, pareceu-lhe demasiado logístico, demasiado fácil. Continuava mais disponível para o tal esquema a dois tempos, e ninguém lhe tirava da cabeça: mulher que se prezasse haveria de já ter posto um homem a dar em maluco, mas maluco mesmo, daqueles de sacar olhos arregalados e risos de esguelha à assistência.
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